terça-feira, 21 de abril de 2015

Sergio Buarque de Holanda e a arte de reescrever suas obras

Crítico literário que se assumiu historiador de ofício
Muitos escritores, com suas obras acabadas e satisfeitos com o resultado, pode ser que não pensam em um dia reescrever a fim de dar um novo final ao trabalho. Não era o caso do historiador Sergio Buarque de Holanda (1902-1982), que raramente ficava satisfeito com o que escrevia e não raro dava novas formas e fins a textos antigos ou em preparação.

Em 2015, completa-se 70 anos que o intelectual Sérgio Buarque lançou seu primeiro livro na pele de historiador, Monções, que trata das expedições fluviais saídas de São Paulo rumo ao Oeste durante o período colonial. O escritor tentou, durante boa parte da vida, reescrever o livro, sem, no entanto, ter logrado por completo esse objetivo. No início deste ano chegou às livrarias uma nova edição de Monções, que, mais do que comemorar a efeméride, permite ao leitor espiar o refazer constante que o historiador imprimiu à sua obra. Organizada ao longo dos últimos dois anos pela historiadora Laura de Mello e Souza e seu ex-aluno André Sekkel Cerqueira, a nova versão reúne em dois volumes, de forma inédita, o que de mais significativo o pensador escreveu sobre a expansão paulista.

Matéria na Revista da Fapesp explica que dos seis capítulos originais que compõem Monções, Sérgio Buarque chegou a reescrever o primeiro Os caminhos do sertão, o segundo O transporte fluvial e o quinto As estradas móveis. Além de mudanças de estilo, os três capítulos foram alongados, com mais dados e documentação colhidos pelo historiador. Ganharam, respectivamente, 40, 17 e 37 páginas a mais. Monções talvez seja o caso mais emblemático dessa busca incessante de Sérgio Buarque por atualizar e aprimorar seus livros à luz de novos documentos ou interpretações da história. Nos anos 1970, depois de ter levantado muito material sobre a expansão paulista ao Oeste e de ter retrabalhado algumas partes de Monções, Sérgio optou por fazer outra obra sobre o tema em vez de reescrever esse livro”, afirma André Cerqueira. O esboço dessa outra obra foram os textos incompletos e inconclusivos que, reunidos, deram corpo a O extremo Oeste. 

Historiador da nova geração que há 15 anos estuda a obra de Sérgio Buarque, Thiago Lima Nicodemo – que se formou e fez pós-graduação na Universidade de São Paulo e, desde o ano passado, é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a Uerj – reforça a ideia de que o mestre esteve sempre a espichar, cortar e emendar seus textos. “Ele queria dar coerência ao seu projeto intelectual”, diz Nicodemo, de 35 anos. “E era perfeccionista mesmo.” Segundo o pesquisador, Sérgio Buarque procurava reforçar o caráter histórico de suas obras mais antigas, nas quais o tom dominante tinha sido dado pelo olhar de crítico literário e ensaísta, por meio da inclusão de notas e documentos retirados de novas leituras e arquivos. “Depois de publicar Monções, Sérgio Buarque refez Raízes do Brasil sob essa perspectiva”, afirma ele. “Nas versões posteriores do livro, ele procurou enfraquecer o caráter ensaístico de Raízes, dando coesão ao seu novo viés de historiador profissional", disse ele no artigo. 

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