Angelo Agostini retrata linchamento ocorrido em São Paulo, em 1888 |
Incorporou ao estudo muitas outras ocorrências, minutadas inclusive no noticiário jornalístico, e três estudos de campo, realizados no interior de São Paulo, no oeste de Santa Catarina e no sertão da Bahia. Indexou, ao longo dos anos, 2.028 casos, concentrados especialmente entre 1945 e 1998: nesses, 2.579 indivíduos foram alcançados por tentativas e linchamentos consumados; apenas 1.150 (44,6%) foram salvos, em mais de 90% das oportunidades pela polícia. Outros 1.221 (47,3%) foram engolidos pela fúria popular, espancados, atacados a pauladas, pedradas, pontapés e socos, nessa ordem e nessa progressão, até casos extremos de extração dos olhos, extirpação das orelhas e castração. Entre eles, 782 (64%) foram mortos e 439 (36%) feridos, segundo revela o estudo pioneiro. Para Martins, os números indicam que o linchamento se tornou um componente da realidade social brasileira, perdendo gradativamente sua caracterização como um fato anômalo.
As raízes do linchamento remetem à Lei de Lynch, que originou a palavra “linchamento” no século XVIII que aqui aportou no século XIX. “No Brasil, o primeiro linchamento registrado data de 1585. Na época não era designado como ‘linchamento’, mas indicava uma prática já presente em diversos países que levava a multidão, por variados motivos, a matar alguém”
Martins explica que linchamento é uma forma de justiçamento covarde. A vítima da vítima do linchamento já está morta ou violentada. Um grupo se reúne para fazer justiça em prol de uma vítima e reage a algo que, entre eles, se tornou moralmente insuportável”, explica. “Quem lincha intui que está cometendo um crime. Se o linchamento acontece durante o dia, o número de participantes é menor. À noite, porém, o número de linchadores quase dobra e a crueldade aumenta.
No novo livro, o sociólogo traz considerações inéditas a partir do cruzamento dos 189 campos investigados. Identifica, por exemplo, a “durabilidade do ódio” – em 70% dos casos, dura aproximadamente 20 minutos; depois, pode se estender por 24 horas; noutros casos, é possível se prolongar por mais de um mês ou um ano, tal o impacto do crime primeiro, provocador. “Em geral, o linchamento não é um crime premeditado. É cometido ainda sob o estado de emoção provocado pelo crime originário”, diz. Além disso, o autor aponta um “índice de crueldade”, ilustrado, por exemplo, no contraste entre negros e brancos: “Se a motivação for a mesma, o autor, branco ou negro, é alvo de linchamento. Entretanto, se o linchado for negro, a crueldade é maior, incluindo ações como arrancar os olhos, as orelhas e o pênis do acusado”,
Até agora, Martins encontrou 7,8% dos casos como linchamentos de um inocente – um índice alto, na sua interpretação. Diante de uma sociedade fraturada, a impressão final é que qualquer um estaria sujeito aos impulsos violentos da multidão.
A charge do linchamento
O chargista Duke mostrou a triste realidade sobre os linchamentos que têm acontecido no Brasil como o que matou a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, Guarujá, litoral paulista.
A interpretação da charge aponta para um sentimento difuso de que a inoperância do Estado, a crise ética, moral e total de setores públicos, podem estar subjacentes à prática atual do "fazer justiça com as próprias mãos". Ou seja, uma percepção de que a Justiça não funciona e que o Executivo e o Legislativo são corruptos; que só existe eficiência dos serviços públicos para cobrar impostos e multas. Causas que não justificariam, porém, a sua compreensão que poderia ajudar a recolocar o enfoque nas soluções. Há sinais do retorno à barbárie da Idade Média.
Fonte: Site Dom Total e Revista Fapesp
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