Quem nunca ouviu o termo "negro com alma branca"? |
O nome do programa e da entrevistada não importam. A questão é que a profissional foi mais uma a repetir um termo tão usual quanto comum. Algumas expressões estão e são presentes em nosso cotidiano, que muitos que as repetem nem se dão conta de repetirem expressões que reproduzem a ideia da pretensa inferioridade da raça negra.
Em sua dissertação Reflexos Negros - A Imagem Social do Negro Através das Metáforas, a pesquisadora Maria Edna Menezes observa que muitas expressões relativas ao negro usadas na linguagem cotidiana são pejorativas, como provérbios, poemas, músicas e narrativas folclóricas. "O preto é conceituado como contra-cor do branco e, por representar a oposição a todas as cores, sempre foi associado às trevas primordiais".
Como exemplo, sabemos que muitos centros espíritas se classificam praticantes da mesa branca, provavelmente como tentativa de não serem comparados com os que são sub-julgados praticantes da magia negra, ou bruxaria, ligando-os com a prática do mal.
A obra reúne doze artigos sobre metáfora |
Segundo Vera, quando alguém diz "Ele é um negro de alma branca", este falante está produzindo um enunciado falso, pois não se atribui cor à alma. No entanto, ao fazer uma afirmação falsa, o falante tem a intenção de dizer outra coisa, como, por exemplo, "ele é um negro que possui qualidades próprias das pessoas brancas".
Ao longo do livro The Metaphors We Live By, Lakoff e Johnson explicam que a maioria das nossas metáforas evoluíram em nossa cultura através de um longo período, mas muitas nos foram impostas pelas pessoas do poder, como líderes políticos, religiosos, comerciantes, publicitários, etc., e pelos meios de comunicação em geral.
Para Vera, numa sociedade preconceituosa, o negro é visto como ser inferior, primitivo, retardado, perverso, desonesto, tolo, possuidor de maus instintos, sujo, irresponsável, preguiçoso, incapaz, etc. Esses preconceitos tornam-se traços semânticos das palavras preto/negro que vão sendo reproduzidos nas inúmeras metáforas que utilizam essa cor. A autora argumenta ser irônico ver o próprio negro ou pessoas que se posicionam contra o racismo, agindo como veículos inconscientes de disseminação das Metáforas Negras e usando-as, muitas vezes, em contextos onde procuram defender a raça e sua cultura. Como quando Henry Correa de Araújo, em um poema em homenagem ao bispo Desmond Tutu, tropeça na Metáfora Negra.
Eu não barganharia o ouro da cidade do Cabode Pretória ou de Joanesburgopara dele fazer a mais bela jóiae dá-la de presente à mulher que amo.Também não pisariaa terra dos bantustanso coração ensangüentado de Sowetoonde se tortura e mataquem nasceu de um ventre negroe cresceu com a pele escura.Como é escura a vidados que tombam nas ruas da África do SulComo árvores abatidas pelos vendavais.
Fonte: www.veramenezes.com
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