quarta-feira, 22 de junho de 2016

Abordagem mais humanizada pode aumentar autorizações de doação de órgãos


Uma vez diagnosticada a morte encefálica, é a fase em
que os órgãos devem ser retirados, ainda que o coração
continue batendo
      O que leva uma família não autorizar a retirada de órgãos de um parente que teve já como diagnóstico a morte encefálica? Uma das razões pode estar relacionada ao modo de abordagem realizada pelos profissionais de saúde às famílias do parente recém-falecido. No Brasil, é alto o número de famílias que dizem não à prática. Em sete anos, a taxa de recusa familiar dobrou, saltando de 22% em 2008 para 44% em 2015, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. 

      Pesquisadores da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp, mapearam as razões da recusa familiar. O principal motivo é que boa parte das famílias (21%) não compreendeu o conceito da morte encefálica. Já 19% atribuem a decisão a crenças religiosas e outros 19% responsabilizaram a falta de competência técnica da equipe hospitalar. A conclusão mais importante foi a de que, apesar da falta de conhecimento técnico sobre a morte encefálica, as chances de a família aderir à possibilidade de doação são diretamente proporcionais à capacidade de os profissionais da saúde criarem empatia durante a entrevista na qual a doação é solicitada aos familiares.

      No total foram ouvidas 42 famílias, e deste total, 43% consideraram insuficiente o tempo dado a elas para a tomada de decisão. É certo que a pressa em conseguir autorização ocorre porque órgãos como coração e fígado não podem mais ser aproveitados quando o coração para de bater. A queixa das famílias é que a abordagem foi feita de forma mecânica, até mesmo truculenta, sem respeitar o atordoamento de quem acabou de receber uma notícia trágica. E o desempenho do profissional da saúde que propõe a doação também pode ser decisivo quando a crença religiosa interfere na decisão.

       O estudo também indicou que, entre 1998 e 2012, cerca de 21 mil famílias se recusaram a doar órgãos. Se 80% delas tivessem aceitado a doação, supondo a possibilidade de extrair pelo menos quatro órgãos de cada doador, mais de 67 mil pacientes teriam sido transplantados nesse período.

Treinamento

       Em Santa Catarina, estado com uma das menores taxas de recusa familiar, os coordenadores de transplantes que atuam em hospitais da rede pública de saúde passam por curso de comunicação em situações críticas. Experiências deste tipo também têm sido colocadas em prática na Unifesp, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e no Hospital Israelita Albert Einstein. "O diagnóstico de morte encefálica é angustiante e desperta muitas dúvidas. É uma morte que não parece morte, pois o coração continua batendo. Isso faz com quem a família ainda tenha esperanças de recuperação", explica Juliana Gibello, professora do curso de Comunicação de Más Notícias do Albert Einstein.

      As iniciativas brasileiras buscam inspiração no modelo espanhol, que se tornou referência mundial. Lá, a taxa de recusa familiar é uma das menores do mundo, de 17%. A Organização Nacional de Transplantes da Espanha foi uma das primeiras no mundo a organizar cursos de comunicação de más notícias. Embora a prioridade na Espanha seja promover boas práticas de comunicação entre profissionais da saúde, o país também investe em campanhas de esclarecimento. A doação de órgãos por lá é um tema apresentado a crianças e adolescentes desde o ensino básico, por meio de programas educativos.

Fonte: Revista Fapesp

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