segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A comoção, a solidariedade e o esquecimento

Quando a imprensa deixa de noticiar, o caso
"deixa de existir". Um exemplo, foi a comoção,
agora esquecida, à morte do leão Cecil por
caçadores, em uma área de preservação no
Zimbabwe
     Estudantes do curso de Jornalismo costumam ouvir - ou costumavam - de seus professores que o jornal de ontem embrulha o peixe do dia seguinte. Queriam estes - os professores -, passar para seus discípulos que o escândalo, a manchete sensacionalista ou a tragédia, poderiam ser esquecidos tão logo a notícia fosse lida. E sim, antigamente, os jornais eram essenciais nas peixarias.

     Em tempos de internet, ainda que os sites de busca podem facilmente trazer de volta informações passadas, a velocidade com a qual novas notícias chegam, tornam a manchete da manhã velha já ao final do dia.

     Há alguns dias, as redes sociais foram tomadas por mensagens de solidariedade à França. Os atendados contra a capital francesa causou a comoção suficiente para durar por quantos dias? Somos envolvidos pela comoção midiática e acreditamos ser perpétua a dor que por ora sentimos. Mas não é.

     Há cerca de um ano, uma criança recém-nascida foi abandonada em uma caixa de papelão em Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso. Após o caso ganhar repercussão, em questão de dias surgiu uma fila de 100 pessoas interessadas em adotar a criança. Na época, elas foram orientadas a procurar o Juizado da Infância para assim entrarem na fila de adoção. Percebam que nenhuma destas 100 pessoas (um número muito expressivo) havia antes demonstrado interesse em adotar uma criança. O interesse nasceu a partir da historia daquela criança. Quantos dos 100 se inscreveram no Cadastro Nacional de Adoção? Difícil saber. E os que se inscreveram, aceitarão outra criança ou queriam apenas àquela, cuja historia de abandono comoveu centenas de pessoas?

     Outro exemplo, mas muito longe de ser igualado ao exemplo acima, é o número alto de pessoas que se interessam em adotar um cachorro de rua, quando este é protagonista de um ato heroico, como salvar crianças da fúria de outro animal. Sabemos que as Organizações Não-governamentais não dão conta de atender os centenas - por que não milhares - de animais abandonados em todos os cantos do Brasil. E o que faz as pessoas terem vontade em adotar aquele bichinho e não outro igualmente abandonado?

Vítimas de racismo, atriz e jornalista, ambas
funcionárias da maior emissora de televisão do
país, arrastaram uma legião de seguidores,
solidários a elas. Aqueles que se intitularam
"somos todos Maju", ainda continuam o sendo?
     Passados alguns dias dos fatos, a comoção desaparece e os casos vão para o arquivo morto de nossas mentes. E então outros, igualmente trágicos, ocuparão o espaço vazio deixado pela notícia anterior. A imprensa deixa de falar, e nós não nos lembramos mais. A solidariedade e a comoção findam-se tão logo desligamos o computador.

     E quanto às peixarias, preocupadas com os hábitos de higiene de seus estabelecimentos, há tempos substituíram o papel jornal por outro de melhor qualidade. E a nós, temos que deixar de sermos peixes de aquário e ampliarmos nossa solidariedade no grande mar de injustiças no qual o Brasil e o mundo são presas e predadores.

Fotos: Rádio Ilha FM
           Blog do Valente                                                                                   

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