quarta-feira, 22 de julho de 2015

As transformações dos teatros na cidade de São Paulo

Praça da Sé, 1890
Com o objetivo de resgatar a historia do teatro na cidade de São Paulo, assim como a atmosfera dos palcos paulistanos entre meados do século 19 e início do século 20, a coordenadora do Centro de Documentação do Laboratório de Informação e Memória (LIM), Elizabeth Ferreira Cardoso Ribeiro Azevedo, coordenou a pesquisa Inventário da cena paulistana: antigos edifícios teatrais (de meados do século XIX ao fim da Primeira República). O LIM pertence ao Departamento de Artes Cênicas, da Escola de Comunicações e Artes, a ECA, da Universidade de São Paulo, a USP. A pesquisa, inédita, teve apoio da Fapesp, através do Conselho do Patrimônio Histórico e Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, o Condephaat, por meio de um convênio entre as duas instituições.


Pátio do Colégio. À esq. a Casa da Ópera. Foto: Ed. Abril
A pesquisa procurou identificar o momento em que o teatro deixou de ser exclusivo das elites para chegar a outros grupos sociais, como imigrantes, que começavam a ter mais relevância na cidade que crescia economicamente. Do final do século 18 até meados do século 19 só havia o Teatro São Paulo, também conhecido como Casa da Ópera, que ficava no Pátio do Colégio. Por volta de 1860, foi erguido o Teatro São José, (foto abaixo), um teatro público construído na área que hoje corresponde aos fundos da Catedral da Sé.


Teatro São José, onde hoje é a Praça da Sé. Em 1898,
um incêndio destruiu totalmente o prédio
Banqueiros e empresários paulistas consideravam esses teatros precários, por isso, em 1873, construíram e inauguraram o Teatro Provisório, na Rua 3 de Dezembro, não muito distante de onde ainda hoje está a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. O teatro foi inaugurado com a apresentação de uma montagem feita por estudantes da Faculdade. Ele funcionou como teatro até 1900.

De acordo com a pesquisa, no final do século 19 houve um aumento considerável no número de teatros em São Paulo; apenas nas regiões centrais eram 53 na Sé, 35 na República e 28 no Brás. Grandes companhias dramáticas e líricas se apresentaram na cidade, mas a maior parte dos teatros era considerada área de "baixa moralidade". 


Em 1909, um outro Teatro São José foi construído ao
lado do Viaduto do Chá
A região central também abrigava os chamados Salões, onde se apresentavam os artistas amadores. Segundo a pesquisadora, as apresentações de espetáculos para um número expressivo de pessoas faziam parte do lazer cotidiano da cidade; além de entreter, o teatro cumpria um papel social. Somado a isso, havia na época um discurso de que o teatro deveria ser uma escola de moral e bons costumes, na dramaturgia e nas encenações; portanto, o teatro que se desviava da arte era considerado mero entretenimento.

No entanto, este teatro de entretenimento era tratado como assunto de polícia: os jornais publicavam os relatórios que os distritos policiais recebiam dos agentes encarregados de supervisionar os espetáculos, avisando em quais teatros havia acontecido algum incidente.

Teatro de variedades


Teatro Santana, inaugurado em 1908, pela Companhia
Dramática Italiana
Nos anos seguintes, boa parte desses teatros e salões iria se transformar em salas de cinema, os chamados cineteatros como forma de enfrentar a concorrência com os filmes.

Construído pelo conde Álvares Penteado, no mesmo local onde funcionava o Teatro Provisório - onde hoje está o Viaduto Boa Vista - o teatro Santana era o mais famoso dos cineteatros paulistanos, com cinema, luta livre, espetáculos de mágica e conferências. Um outro teatro Santana foi construído pela família do conde na Rua 24 de Maio.

Formada por industriais, a família Penteado era um exemplo de como as elites investiam em teatro. "Eles mantinham inclusive o Casino Penteado, um teatro dentro de suas fábricas", explica Elizabeth Azevedo.

O cinema como concorrente

Mas com o tempo, o cinema ganhou ainda mais espaço e alguns teatros passaram a exibir exclusivamente películas da Europa e dos Estados Unidos. É o caso do Teatro São Pedro, na Barra Funda, ainda hoje em atividade, com espetáculos de teatro e música, e que durante muito tempo funcionou como cinema.

Mais acessível, o cinema não fazia concorrência direta aos espetáculos mais elitistas, como as óperas, mas sim ao chamado teatro popular. Com a linguagem ainda mais próxima à dos palcos, o cinema é incorporado pelo teatro de variedades, que passa a exibir filmes como uma de suas atrações, ao lado de esquetes cômicos, mágicos e cantores.

Os teatros e a arquitetura


Com mais de cem anos, o Teatro Municipal, criado
para atender principalmente às óperas, continua a ser
o mais de São Paulo, inspirado no Teatro Ópera de Paris
Na região da Praça da República havia teatros mais estruturados, como o Casino Antárctica, no Vale do Anhangabaú. Entre os teatros com arquitetura significativa, destaque para o Teatro Municipal e o Teatro São Pedro; outros sobreviveram como edifício, mas com outras funções, como igrejas e estacionamentos, A maioria foi demolida.

De pequenos salões, até teatros para 2 mil pessoas, a pesquisa revelou na região do Brás, o Teatro Braz Polytheama e o Teatro Popular, do Teatro Colombo. E o Teatro Royal, em Santa Cecília. E o Santa Helena, que sobreviveu com 1.300 lugares até 1970, e desapareceu com a reforma e ampliação da Praça da Sé. 


Teatro São Pedro, na Barra Funda, construído em 1917. Foto:
Prefeitura de São Paulo
Nas primeiras décadas do século 20, o teatro entra em baixa, perde espaço como negócio, mas mantendo de alguma forma seu prestígio cultural. E o cinema passa a ficar em voga. A partir disso, a sociedade paulistana passa a cobrar do poder público mais atenção para o teatro. Um exemplo, é a criação do Departamento de Cultura da Municipalidade Paulistana, nos anos 1930, pelo escritor Mário de Andrade, e que mais tarde se tornaria a Secretaria Municipal de Cultura. 

No blog O Manifesto Digital, o escritor Jeocaz Lee-Meddi relata que onde hoje é a Secretaria de Cultura, anos antes era o prédio do antigo Teatro Mouling Rouge, um cabaré que marcou a vida noturna de São Paulo. 

Prédio do Mouling Rouge
abrigou também o antigo
Rinque de Patinação
Localizado na Avenida São João, esquina com a Rua Dom José de Barros, o Mouling Rouge era inspirado nos cafés parisienses, e em 1905 tornou-se o Teatro Carlos Gomes, que por sua vez , anos depois, cederia lugar para o Teatro Variedades. Quando a Rua tornou-se Avenida São João, o nome foi mudado para Teatro Avenida e, finalmente, Cine Avenida.


Acervo para consulta pública

Segundo a pesquisadora, o teatro foi uma grande oportunidade de contato com as principais metrópoles do mundo à época, numa São Paulo ainda provinciana. E também um espaço de convivência entre pessoas de diferentes origens e condições sociais e econômicas. 

O trabalho foi fruto de uma longa pesquisa. E todo esse acervo coletado pela coordenadora poderá ser consultado pela internet. Para isso, foi criado o site Inventário da Cena Paulistana para tornar acessível o conteúdo do estudo. O site pode ser acessado no endereço: www.2.eca.usp.br/cdt-inventario/. 

Fonte: Agência Fapesp e O Manifesto Digital
Fotos: Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário