A Rainha Ginga resistiu à invasão portuguesa, guerreou e exerceu a diplomacia para se manter no poder por quase 40 anos. |
A Rainha Ginga viveu durante um período em que o tráfico de escravos africanos e a consolidação do poder dos portugueses estavam em crescimento. Não foi fácil para Portugal retirar milhares de pessoas da África para servirem como escravos na América. Longas lutas de resistência foram travadas contra a colonização, que contava com altos investimentos militares e uma política que combinava opressão, violência e alianças com com chefes locais. É aí que surge a figura de Ginga Mbandi. Hábil guerreira, estrategista política e militar, Nzinga foi uma líder carismática , uma rainha que passou a vida combatendo e morreu sem nunca ter sido capturada.
Os portugueses haviam iniciado a colonização a partir de Luanda sete anos antes, e foram ganhando o interior com a construção de "presídios" - fortificações militares no curso do Rio Kwanza, que abrigavam os comerciantes de escravos - e a organização de feiras em que a principal mercadoria eram as pessoas escravizadas. A guerra se generalizava, e com ela o clima de instabilidade. Foi neste contexto de penetração portuguesa no reino de Ndongo que, movido pelo tráfico negreiro, que Nzinga Mbandi cresceu. No reinado de seu irmão Ngola Mbandi, agravou-se a tensão entre os locais e os conquistadores. Em 1617, o governador de Angola, Luis Mendes de Vasconcelos, invadiu o reino de Ndongo para construir o presídio de Mbaka. O resultado foi uma guerra intensa. Ngola, vencido, refugiou-se na ilha de Kindonga, no Rio Kwanza. Em 1622, João Correia de Sousa assumiu o governo e decidiu procurar o Ngola para restabelecer a paz, uma vez que o cenário de guerra paralisara os mercados de escravos.
Ngola Mbandi mandou sua irmã mais velha como embaixadora para negociar a paz com os portugueses. Na audiência com o governador, ela impressionou a todos por sua inteligência e habilidade diplomática. Defendeu a manutenção da independência do Ndongo e o não pagamento a qualquer atributo à Coroa portuguesa. Entendendo que a paz com os portugueses passava pelo batismo cristão, aceitou o sacramento, recebeu o nome de D. Anna de Sousa. Os portugueses se comprometeram a efetivar a retirada do presídio de Mbanka, o que não aconteceu. Com a morte do irmão, Nzinga assumiu o trono de Ndongo.
A incapturável Ginga
A nova rainha foi associada à possibilidade de libertação do povo Mbundo. Lançou uma campanha antilusitana, formando e liderando uma confederação de descontentes com a colonização. Portanto, capturar Nzinga e reduzi-la à obediência passou a ser um dos objetivos principais do governo português. Em 1626, o governador de Angola, Fernão de Sousa, arquitetou um plano para retirar Ginga do poder. Ela então refugiou-se na ilha de Kindonga e conseguiu se livrar do cerco. Quando as tropas lusas conseguiram a encurralar, ela mandou dizer que estaria disposta a se entregar, pedindo, para isso, uma trégua de três dias. Passado o prazo, os portugueses perceberam que tinham caído em um golpe.
O papa Gregório XV, com o objetivo de diminuir o poder que as coroas ibéricas tinham acumulado com as colonizações, criaram em 1622 a Propaganda Fide - propaganda da fé. A iniciativa permitia a ida à África Central de missionários que não tinham relações com a Coroa portuguesa. Entre eles, estavam os capuchinhos. Nzinga viu nesses religiosos a possibilidade de fazer novos aliados europeus que não fossem ligados ao governo português. Então, Nzinga retornou ao catolicismo, aceitando a fé de Cristo. Na verdade, a conversão foi uma estratégia, pois já idosa, ela sabia que a cruz seria o caminho mais rápido para a paz. E para conseguir o retorno de Mocambo, sua irmã indicada à sucessão de Matamba, enfim libertada pelos portugueses em 1657.
Ginga Mbandi morreu em dezembro de 1663, com mais de 80 anos, sepultada de acordo com os ritos cristãos. O povo Mbundo a venerou como "rainha imortal", aquela que nunca se entregou e que jamais aceitou a submissão aos invasores. Sua fama chegou ao Brasil. Aqui, o nome Ginga, ou Jinga, é evocado em rodas de capoeira, em congados e maracatus de múltiplas formas: como guerreira que engana os adversários, inimiga da corte cristã, venerável ancestral de Angola.
O dia 2 de março é consagrado à mulher angolana, em reconhecimento ao seu papel desempenhado na luta de resistência do povo angolano contra a ocupação colonial portuguesa.
Fonte: Revista de História
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