terça-feira, 26 de maio de 2015

Documentos revelam a complexidade comercial do tráfico de escravos

O porto hoje. Séculos atrás, ponto de partida de milhares de escravos
Dois conjuntos de documentos encontrados pelo historiador Maximiliano Menz, da Universidade Federal de São Paulo, expõem a complexidade comercial do tráfico de escravos entre Portugal, Angola e Brasil. Os registros estavam na Torre do Tombo, um dos arquivos históricos de Lisboa. 

O primeiro conjunto, consultado pela primeira vez em 2011, são quatro livros de contratos de exportação de escravos comprados em Luanda, de 1763 a 1770, época em que aproximadamente 9 mil africanos saíam por ano de Angola como escravos. Ao longo de três séculos, quase 6 milhões de africanos eram tirados de Angola, para trabalhar nas minas de ouro e nas plantações de cana-de-açúcar do Brasil. A capital, Luanda, então uma colônia portuguesa, ficava o maior porto ligado ao tráfico de escravos.

O segundo conjunto de documentos emergiu em janeiro deste ano, em outra viagem. São cerca de 230 livros dos registros de mercadorias que passaram pela alfândega de Lisboa ao serem embarcadas para Luanda de 1748 a 1807. Nos 28 livros que examinou, o historiador contabilizou cerca de 2 mil lançamentos com nomes de pessoas e mercadorias. E concluiu que, embora os negócios estivessem concentrados nas mãos de grandes negociantes, centenas de pessoas participavam; até mesmo padres, que poderiam enviar vinhos a serem trocados por escravos em Luanda.

Através destes documentos, Menz está ressaltando o papel central dos contratadores portugueses e dos contratos de exportação na geração de mecanismos de crédito e de capitais associado ao tráfico de escravos.

Um deste contratadores era o português Domingos Dias da Silva. Um capitão de navio que transportava tecidos, aguardente, vinhos e armas de fogo para Luanda. Silva vendia as mercadorias, recebia parte do pagamento na forma de papéis chamados letras ou em livranças, que funcionavam como promissórias, e parte na forma de escravos. Depois de entregar os escravos no Brasil, ele trocava as letras por moedas de ouro, enchia os porões de açúcar e voltava para Lisboa, fechando uma viagem que poderia ter começado dois anos antes. Ganhou o suficiente para participar de leilões  de contratos de escravos promovido pelo governo português. Depois de 25 anos, ele se tornara contratador, cobrando impostos em nome do rei, acumulando riqueza e prestígio.

Esse meio de negócio funcionou até Domingos Dias decidir, como contratador mudar as regras. Parou de emprestar para outros comerciantes, por meio das livranças e forçou a compra de mercadorias que ele enviava de Lisboa. Como quase ninguém tinha dinheiro vivo, o negócio não deu certo. Em 1770, o marquês de Pombal, secretário de Estado do reino,  determinou que os impostos sobre a venda de escravos seriam administrados diretamente pela Fazenda real.

Fonte: Revista Fapesp

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