segunda-feira, 1 de junho de 2015

O poder retórico-argumentativo das doutrinas religiosas

Em tempos em que temos, num país tido como laico, um Congresso Nacional, onde bancadas religiosas tentam - e conseguem - impôr seus discursos com reprovação de leis que duelam com seus princípios religiosos, vemos o quão se torna difícil o país avançar em questões polêmicas.

E embora as religiões sejam, muitas vezes, contestadas e acusadas de fundamentalismo ou irracionalidade, o mundo nunca esteve tão dependente de suas doutrinas. Segundo relatório de 2013 do Center of the Study of Global Christianity, ligado à Universidade de South Hamilton, em Massachucets, nos Estados Unidos, 88% das pessoas do planeta se declararam adeptas de algum culto religioso. 

Para tentar entender este fenômeno, o Grupo de Estudos de Retórica e Argumentação, o Gerar, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, FFLCH, da Universidade de São Paulo, organizou no último dia 14, o seminário Discurso Religioso: Possibilidade Retórico-Argumentativas, a fim de buscar respostas para descobrir o que leva as religiões a angariarem tantos seguidores. Que elementos textuais estão presentes em suas doutrinas? 

Para o professor Paulo Augusto de Souza Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo, a religião representa um novo sistema de linguagem. Ela cria seus próprios conceitos e se torna uma segunda linguagem que molda o mundo. O professor compara o discurso religioso a temáticas culturais como cinema, teatro e poesia, que também tem status de linguagem. Uma vez atingido esse status, o discurso religioso ganha o poder de articular e moldar a visão das pessoas. E se aproveitando desse discurso, "os religiosos procuram legitimar a ocupação religiosa do espaço público e da esfera pública", apontou, enfatizando que os grupos seculares defendem a rigorosa separação entre Estado e igrejas.

O professor Isaar Soares de Carvalho, doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, ao comentar sobre a relação entre a religião e o Estado, mostrou como aspectos do discurso religioso podem ser usados como forma de legitimação do poder. Como exemplo, cita o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que buscou nas Escrituras Bíblicas argumentos que validem o absolutismo.

Capacidade de convencer


"Quem fala vai escolher os recursos apropriados", diz Lineide
Um dos aspectos do poder de persuasão das religiões pode ser explicado pela facilidade de compreensão das doutrinas. Isso pode também ser explicado através da forma como é apresentado o discurso. O professor João Cesário Ferreira, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, abordou a questão do contexto em que ocorre a fala, apontando elementos como a gestualidade, a expressão, a mímica e a movimentação em cena. Segundo ele, tudo isso faz parte desse cenário de construção do sentido, baseando-se na ideia da ação, da experiência.

Mas para que a mensagem do pregador contagie de fato o público, este deve, antes de tudo, ser receptivo ao que está sendo dito. "Em qualquer tipo de discurso, toda a estratégia é feita no sentido de que o receptor aceite. Mesmo no discurso da Ciência, o cientista tem que convencer os seus pares", acredita a fundadora e coordenadora do Gerar, a professora Lineide Mosca. Para ela, o auditório é um dos aspectos mais importantes da pregação. É uma peça sem a qual não há nenhum discurso. Como exemplo, a professora apresenta Padre Vieira e Santo Agostinho, grandes pregadores que possuíam o dom de contagiar os ouvintes, utilizando-se da retórica e dos recursos da ação.

E em se tratando de retórica, a coordenadora do Gerar diz que o senso-comum enxerga a retórica como sinônimo de belos discursos e de falas difíceis, o que é uma visão errônea. Porém, nem sempre a fala atinge completamente seu objetivo. "Quando a gente fala de retórica, fala de convencimento e persuasão. Você pode convencer, mas pode não ter conseguido persuadir", avalia. Persuasão é quase sinônimo de adesão. Por isso, as doutrinas, na tentativa de convencer os ouvintes, não trabalham apenas no sentido de agregar seguidores. O pregador tem essa convicção de que o que prega é bom para todos. A retórica e a argumentação são elementos essenciais para a construção de opiniões e a saudável troca de ideias. Todas as questões são polêmicas. Por isso, o lugar próprio da argumentação é o lugar da controvérsia, porque onde há consenso absoluto não há necessidade de argumentação.

Algumas leis propostas pelos evangélicos Brasil afora, segundo o blog Permanecer e Compartilhar

- Lei da Calcinha - obriga as noivas a se casarem com a roupa íntima e regula o decote do vestido (Vila Velha - ES)
- Lei do Pai-nosso - obriga professores e alunos a orar antes do início das aulas na rede pública (Ilhéus - BA)
- Não beberás - proíbe a existência de bares a menos de 300 metros de uma igreja para garantir a paz dos cultos (Sorocaba, SP)
- O púlpito é pop - Declara o púlpito evangélico um patrimônio imaterial da cidade (São Paulo - SP)

Fonte: Site da USP

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