quarta-feira, 6 de julho de 2016

O olhar da Psicologia sobre o racismo no Brasil

        Nos últimos anos, têm sido ampla a discussão sobre os crimes de racismo, principalmente quando as vítimas são pessoas públicas, questões que envolvem o Direito. Quando se quer entender o racismo no contexto histórico, busca-se referências na Historia, nos estudos sobre a escravidão. Entende-se que os negros ganham menos e são minoria em cargos de chefia, quando se estuda o tema sob a ótica da Economia. E quando se quer estudar o negro na atual configuração da sociedade brasileira, busca-se referência na Sociologia. Isso mostra que as relações étnico-raciais têm sido tratadas predominantemente no Brasil sob os pontos-de-vista dessas áreas. Mas, apesar da evidente repercussão psicológica das questões de raça, desigualdade racial, preconceito e discriminação, o assunto foi menos investigado no âmbito da Psicologia.

        Foi por sentir, literalmente na própria pele, que o psicólogo Alessandro de Oliveira dos Santos resolveu abordar o tema. Ele é professor do Departamento  de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. "Fui um estudante negro em uma classe de professores brancos. E, agora, sou um professor negro em uma classe de alunos brancos", disse.

       A sociedade brasileira se estruturou sobre o regime escravista, com a escravização do indígena primeiro e do africano depois. E mais de três séculos de escravidão deixaram  marcas muito profundas no País. O avanço da legislação não tem impedido que discriminações e ofensas de cunho racial ocorram diariamente e que o discurso racista, explícito ou camuflado, se dissemine pelas redes sociais, seja acolhido com condescendência na mídia e se expresse até mesmo nos órgãos máximos do Poder Legislativo.

      O Direito Romano que "legitimou" a escravidão antiga, negava ao escravo a condição humana. O escravo era coisa, não pessoa. A pesquisa de Santos investigou as relações étnico-raciais em geral, com ênfase na relação entre negros e brancos. "Na esfera do discurso científico, a humanidade do negro só foi explicitamente admitida no Brasil em 1900, mais de uma década depois da abolição da escravidão". O professor explica que o médico  Raimundo Nina Rodrigues, no livro Os Africanos no Brasil, foi o primeiro a investigar, no final do século 19, as características psicológicas dos escravos e ex-escravos, a "massa negra", considerada por uma parcela da sociedade brasileira um "elemento perigoso", e, por isso, sujeito ao controle e à exclusão social. Até Nina Rodrigues, os negros eram vistos como massa indiferenciada. A nova abordagem proposta por ele permitiu que a Psicologia passasse a enxerga-los como seres humanos.

"Quando a Psicologia considera o ser humano como fonte do
seu próprio sofrimento, não dá o devido peso aos processos
e ao meio social na criação de modos de ser, pensar e agir"
      Nas décadas de 1990, os estudos adquiriram uma conotação mais política, associando-se às lutas identitárias e contra o preconceito. Nesse período, ocorreu também uma virada  epistemológica, com os estudos sobre branquitude e branqueamento. Pesquisadores brancos entenderam que, ao fazer do negro ou do indígena, o seu tema de estudo, eles estavam mais uma vez, produzindo o "outro", em uma relação assimétrica entre sujeito e objeto. E voltaram o olhar para si mesmos, colocando a autoimagem do branco em questão. "Entrevistamos alunos e professores de Psicologia para saber como pensam as relações étnico-raciais. E um aspecto que chamou a minha atenção nas entrevistas foi o fato de os alunos utilizarem a palavra raça apenas para se referir aos negros. Isso mostra que a "branquitude" como construção de identidades brancas ainda não emergiu como algo a ser percebido. A percepção de que os brancos também são sujeitos racializados ainda é incipiente.

       De acordo com o professor, os psicólogos entrevistados tinham pouco conhecimento dos aspectos históricos e sociais das relações étnico-raciais no Brasil, bem como dos efeitos psicossociais do racismo. Os profissionais entrevistados atuam nas áreas: Clínica, Recursos Humanos, Atendimento à Saúde. "Os psicólogos organizacionais deparam com o fato nu e cru de que, a despeito da legislação, raça continua a ser um dado importante na decisão de contratação ou não contratação de funcionários pelas empresas. E os entrevistados autoclassificados brancos não se perceberam  como indivíduos racializados, atribuindo a categoria "raça" apenas aos outros grupos, aos negros em especial", exemplificou.

Fonte: Agência Fapesp

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