terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Quanto mais humanizamos os animais mais nos animalizamos

Shopping Morumbi oferece sessão de cinema
na qual ao dono é permitido levar seu pet, desde
que sejam mantidos no colo ou no chão
Tarde de um domingo num shopping center de São Paulo. As mãos de clientes que carregam sacolas e bolsas sãos mãos que também seguram guias de animaizinhos que andarilham ao lado de seus donos. O humano vê lojas, para à frente de vitrines e caminha em ritmo moroso, típico de se ver nesses centros de compras, ao passo que os bichinhos - em sua totalidade cães de todas as espécies, porque shopping é um passeio entediante demais para os felinos - dão de ombros, ou de patas, para as vestimentas dos manequins nas vitrines. O que eles querem é mirar a pontaria urinária nos vasos de plantas que decoram os corredores. Servem também as lixeiras cujos restos de carnes causam aguçam a fome desses detentores de olfatos apuradíssimos. A maioria deles diz preferir os modelos em madeira, pois conserva o cheirinho natural da mata, o que remete à herança genética de seus ancestrais.

Humanos passeiam e não encaram seus pares, não somente pelo acessório facial que agora ostentam, mas é porque o outro é a ele indiferente e como tal sua importância é a mesma que os cestos de lixo fixados ao lado dos bancos estrategicamente colocados ao lado dos vasos por onde os cachorrinhos deixam suas impressões urinárias. No entanto, ao contrário dos bípedes, os quadrúpedes se olham, se encaram, se estranham e vão às vias de fato, no entendimento dos humanos, pois pode ser que sejam encontros calorosos com diálogos do tipo: "rapaz, você por aqui?"

Animais passaram o ocupar lugares antes destinados apenas aos humanos, sentam em cadeiras nas praças de alimentação, e defecam onde lhes der na telha. De longe, o menino maltrapilho que a tudo vê sabe que perseguido será pelos seguranças assim que seus pés atravessarem a porta-automática. Àqueles que fingirem compaixão, uma moeda lhes darão. 

Penso que para satisfazer a clientela adoradora dos pets, esses centros de compras incorporaram a cultura do pet frendly (local amigável aos animais) pouco importando para o humano que cuida da limpeza do local, e que agora se vê obrigado a também limpar urinas e fezes a fim de conservar o brilho do porcelanato. Afinal, a fila do desemprego é logo ali. 

Não se trata aqui de ser contra ou a favor de que animais sejam introduzidos cada vez mais no cotidiano de seus donos. Quem seria indiferente aos benefícios que o convívio com os bichinhos traz a seus cuidadores? Ou então, impossível não se encantar com o magnífico trabalho que realizam nos hospitais, com o aval da equipe médica, que enxerga nas visitas caninas uma positividade nos tratamentos a seus pacientes. No entanto, cabe uma reflexão: diante de tantos discursos de ódio com vias de eliminar o outro seja pelo verbo ou pelo corpo - e como outro entende-se aquele a quem se entende como semelhante - há de se perceber que alguma coisa está fora de ordem. Talvez um dia, alcançamos o estágio do human frendly.

Texto: Elisa Marina

Foto: Divilgação



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