Releitura de Abaporu em Bolsonaro e a Pandemia/Entre Notícias |
O olhar deste 2022 tece, com rigor, uma crítica voraz para aqueles olhos de 1922. Aconteceu a Semana de Arte Moderna de São Paulo. Foi nome. Fez história. De província, hoje a capital se posiciona na vanguarda cultural do país.
Críticos ao movimento modernista de 22 reduzem aqueles encontros no Theatro Municipal a um convescote entre amigos da elite paulistana, se contrapondo com aqueles que enxergam na Semana um divisor de águas para a cultura do Brasil. Contudo, cem anos depois, o moderno é posto em cheque ante o retrocesso que busca o seu protagonismo.
E assim, quiseram a vida, o tempo, Deus, os deuses, as deusas, o destino, ou apenas e tão-somente as eleições presidenciais de 2018, que a comemoração do centenário da Semana de Arte Moderna ocorresse num momento em que a cultura sofre duros golpes em seu existir, se esquivando a todo momento da pontaria verborrágica lançada pelo alto escalão do governo federal. São pérolas embasadas num fundamentalismo religioso que se cobre de um véu moralista para profanar discursos de ódio contra as mais diversas manifestações artísticas, com a chancela, e a assinatura, daquele que ocupa a cadeira presidencial. O que pensariam os modernistas sobre os dias atuais?
Cem anos depois, daqui observamos, lamentamos e rimos, debochamos e nos perguntamos: quem ou o que és tu, Brasil? De vanguarda para parasita cultural. E apesar do chilique dos carrancudos, fizemos, criamos e marcamos, para, cem anos depois, nos vermos instados a descer à terra para talvez, quem sabe, lançarmos um Semestre de Arte Moderna para um Brasil paralisado e paralisante a quem falta ousadia?
Onde está o confronto? Não percebeste, Brasil adormecido, que os estúpidos repudiam aquilo que não entendem? Sejam anarquistas na escrita, na pintura, na escultura. Enfrentem os idiotas com a dança, e com todas as expressões artísticas, pois eis aí aquilo que os incomoda. Ignorem qualquer maldizer, os escrotos não argumentam, apenas vomitam pela boca excrementos que o cérebro absorve.
Nos seus cem anos, irônico pensar que ela, a Semana de Arte Moderna é engolida pelo movimento verborrágico da era bolsonarista. Comem a cultura, vomitam a estupidez. No entanto, satisfaz saber que restam apenas dez meses para que o pior presidente desse país desça a rampa do Planalto e siga rumo ao fundo do poço da história, cabendo aos historiadores o árduo trabalho de colocar no papel o caminho percorrido por esse país, principalmente durante a pandemia de Covid-19 que fez, até agora, 640 mil vítimas fatais. E é com esse cenário que o Brasil chega a 2022, o ano do centenário do movimento modernista, ano em que andamos para trás, ano em que as notícias falsas duelaram com a Ciência. São tempos de fome, de miséria, de descrença, de desespero, de ódio. A homofobia e o racismo, com frequência, estampam as manchetes dos portais de notícias, ao passo que o ode ao nazismo se disfarça entre brincadeirinhas pueris. Nunca há a intenção do crime, é tudo sem querer. É a faceta do extremismo que chegou ao poder.
Por isso, é preciso muito mais que uma semana de arte para sairmos desse limbo, mas também uma comunhão com todas as ciências da natureza. E do panteão da cultura, os modernistas agradecem.
Texto: Elisa Marina
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