"O Anjo Cáido" (1847) - Alexandre Cabanel - óleo sobre tela. Museu Fabre Montpellier, França |
Uma simples frase resume a lógica do reality show Big Brother Brasil: competir para entreter. Ou então, para sair um pouco da superfície, vemos que a atração é um duelo para o entreter. E chegando ao fundo do poço, entende-se o programa como o ódio escrachado para entreter. É o real em seu primitivismo, com a diferença de que no entretenimento a realidade tem dia e hora para acabarem.
Das cenas televisionadas para cenas vividas, é razoável pensar que estamos imersos na lógica da
competição desde sempre, colocados nesse duelo já na infância. A nota dez é dita em
barítono e o zero em decibéis mais elevados, notas intermediárias são
inaudíveis, representam o aluno mediano. É perverso imaginar que num mundo que
se estrutura pela lógica da competição, um programa televisivo tem como
proposta a própria competição, com o agravante, no caso, de que para tanto os
participantes destes são obrigados a se confinar, ou seja, dormir e acordar
dentro de um quadrilátero a que chamam de estúdio, semelhante a isso, as rinhas
de galos são um bom exemplo.
Do lado de cá, o telespectador é convidado a eliminar um dos humanos. E é a partir daí que a perversidade ganha cores fortes. O chamamento não é para a mente de quem assiste ao programa, mas sim para o seu fígado, porque é com ele que as decisões são tomadas a partir de ódios direcionados a um inimigo imaginário. Afinal, que significância tem um competidor de programas desse gênero que faz o telespectador adquirir um ódio gratuitamente?
Com eficácia, esse tipo de
entretenimento é eficaz em extrair de seu público o ódio já existente. A
sociedade do espetáculo se autoriza a ser o próprio espetáculo.
Então chegamos
no tempo das redes sociais. Portais de notícias publicam em suas páginas todo
tipo de assunto, inclusive, notas acerca desses realities shows. E aí basta uma
olhadela nos comentários para ver por lá todo o ódio nosso de cada dia. As
pessoas não argumentam, extraem palavras da bile, e sem perceberem caem na
armadilha de que quanto mais comentam mais essas páginas ganham destaque e faturamento,
evidentemente.
Num país polarizado, a lógica perversa das redes sociais faz aumentar ainda mais a intolerância ao outro, com a promoção do ódio disfarçado de show, num ciclo que faz o entreter virar ódio, e o ódio notícias para os próximos dias. É a perversão sistêmica de um tal de entretenimento. Qual é a graça nisso?
Texto: Elisa Marina
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