quarta-feira, 30 de março de 2022

Salvador Dalí e o cansativo bloqueio ao nu feminino

 

 

In Voluptas Mors(1951), três horas
para ser concluída

Ser bloqueada no Facebook é estranho. Parece aquela situação em que um adulto pune uma criança com o castigo de ficar calada lá no cantinho do pensamento. No caso, a punição na rede social é ficar numa ausência forçada por dois dias, com proibições à postagens e publicações de comentários nas páginas dos contatos. Só é permitido espiar, nada mais.

No entanto, quando o bloqueio acontece por ofensas a terceiros, é compreensível a ação se a política da rede social consistir em  evitar um ambiente tóxico pelos comportamentos agressivos que vierem a ocorrer. Acontece que, a mim me causa espanto ver um trabalho artístico censurado por causa de um viés conservador. Sim, ele existe até dentro do admirável mundo moderno da tecnologia.

Salvador Dalí (1904-1989), o gênio pintor espanhol do surrealismo, expressionismo e realismo teve uma obra censurada na rede social por não estar em acordo com os “padrões daquela comunidade sobre nudez e atividade sexual". Atividade?

Extravagante e ousado, Dalí sempre chamou a atenção pelo figurino que mostrava uma personalidade excêntrica. Em 1925, realizou sua primeira mostra individual, mas no ano seguinte, acabou expulso da Academia de Artes por se desentender com um professor e declarar que ninguém por lá era capaz de avaliá-lo, por sinal, como hoje parecem demonstrar os manipuladores dos algoritmos que conduzem as ações nessas redes sociais. Aí então, a imagem do bico de um seio torna-se censurável, e não importa o contexto em que esteja retratado o nu feminino, pode ser em  uma foto tirada numa praia de nudismo ou pintada em uma obra de arte antiquíssima, mesmo que ambas já tenham sido vista por milhões de pessoas nos museus da vida.

Por qual razão censura-se o bico de um seio? Afinal, de onde sai o alimento natural, necessidade primária de todo ser mamífero? Deturpado, o belo é transformado no feio, em algo repugnante, logo, razão de censura.  

Trabalho faz parte de uma série de 
quadros vivos realizados por Dalí
e Halsman
Uma obra de arte é a expressão artística por excelência. É quando, através dela, o artista imprime em tela, por exemplo, o mundo para além das paredes impregnadas de pudor, racismo, transfobia, misoginia e que aprisionam o senso comum com um deliberado falso moralismo. A arte é o meio libertador de posicionamento nesse mundo que insistem em aprisionar corpos, amordaçar ideias, apagar as falas.

 In Voluptas Mors, algo como “no prazer há morte”, foi concebida em 1951 por Salvador Dalí em parceria com o fotógrafo Philippe Halsman. Nela, sete mulheres nuas se posicionam de tal modo que uma caveira é formada com seus corpos. A performance fez parte de uma série de quadros vivos que Halsman realizou com Dalí no final dos anos de 1940 e início de 1950. Esses quadros exigiam muito trabalho, rolos de filmes e horas de montagens para transpor em fotografias o imaginário realista.

Se no prazer há morte, para Dalí e Halsman, há morte na arte? Ou a morte à arte é prazer que satisfaz os conservadores que dela se utilizam para dar vida a seus gritos reprimidos? Porque nem sempre a nudez deverá ser castigada.

Texto: Elisa Marina



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