quarta-feira, 9 de março de 2022

O protagonismo negro no Teatro de Revistas

A Companhia Negra de Revistas/Arquivo: Biblioteca
Nacional
Se hoje a luta do movimento negro ainda se faz necessária para reivindicar um protagonismo em diversos setores, não é difícil entender a enorme dificuldade para um homem negro ou uma mulher negra em ser artista numa pós-abolição da escravatura, ou seja, era nadar contra a maré de águas  revoltas e com ondas imensas, nas quais seus corpos lutavam para não se afogarem.

Dentro de uma vida imposta a apenas servir às pessoas brancas, donas de seus corpos, não dado a estes a chance de concretização do desejo de subir ao palco, restando apenas contribuir nas composições musicais, estar ocultos no fosso das orquestras ou nos trabalhar nos bastidores das companhias. Era a época do teatro de revistas, uma das formas mais populares de entretenimento presentes nas principais cidades brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro, com atuação no final do século XX e início do século XX.

A principal característica do gênero era a sátira política e a crítica social em quadros cômicos musicados. E foi somente quatro décadas após a abolição da escravatura – 1888 – é que foi permitido aos negros subirem aos palcos para atuar e cantar, e com muitas manifestações de desprezo, deboches grosseiros, expressões racistas declaradas.

O então Pequeno Othelo, a 
atração principal da Cia., 
aos 11 anos de idade

A partir de 1920, inicia-se uma renovação no Teatro de Revistas, com a presença de coristas pretas. Foi João Cândido Ferreira, conhecido artisticamente como De Chocolat, que depois de se apresentar em Paris, pensou na possibilidade de um teatro feito por negros no Brasil. Uniu-se a ele o cenógrafo branco português Jaime Silva, e juntos criaram a Companhia Negra de Revistas. A estreia ocorreu em 31 de julho de 1926, contando com Pixinguinha como maestro-regente e orquestrador. Grande Othelo entrou para a trupe e tornou-se a principal atração da Companhia.

Entretanto, seu tempo de duração foi curto, e contou com apenas seis espetáculos nos seus dezesseis meses de existência, apesar da presença massiva de um público que esperava assistir à apresentações grotescas. Tarsila do Amaral considerava o nome De Chocolat pedante, assim como puro pedantismo seu desempenho no palco. As críticas dos jornais foram ainda mais cruéis. "Anuncia-se para esses dias a estreia de uma companhia de revistas, cujo elenco é formado unicamente por 'artistas negros', e até mesmo a peça de estreia é escura, chama-se Tudo Preto(...) Agora, a tal Companhia Negra de Revistas é muito capaz de vir a complicar ainda mais o problemas da criadagem. Cozinheiras e arrumadeiras talvez sintam-se tentadas a exhibirem* a sua arte no palco, abandonando seus empregos atuais(...) Ninguém mais do que as patroas torcem para o seu insucesso e vida curta".

E embora à época fosse comum que companhias de teatro encerrassem suas atividades de forma precoce, com a Companhia Negra de Revistas o término teve elementos mais incisivos. Perto de estrear internacionalmente, o racismo ficou mais evidente. Uma revista do Rio de Janeiro especializada em teatro, indagava se não seria o caso de "os poderes públicos evitarem essa propaganda do nosso país". O caso chegou à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), que deliberou contra a excursão. Além disso, foi usado, com uma aparente boa intenção, o Código de Menores de 1927, para proibir Grande Othelo de atuar, então com onze anos de idade, cujo nome artístico era Pequeno Othelo. Seus pais adotivos decidiram retirá-lo do grupo depois de ação do juizado de menores do Distrito Federal. Era o início do fim da Companhia Negra de Revistas.

Texto: Elisa Marina

Fonte: Cabaré Incoerente

*grafia da época


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