quarta-feira, 23 de março de 2022

WhatsApp, uma relação de amor e ódio com um duplo risco. Afinal, visualizou ou não?

A charge irônica que indica que a mensagem fora
enviada, porém não visualizada/Bará
Se dez entre dez brasileiros preferem feijão, como brinca a letra da música O Preto Que Satisfaz, do grupo As Frenéticas, 120 milhões dentre 200 milhões de habitantes brasileiros usam o WhatsApp, o que coloca o país em segundo lugar no mundo em número de usuários, atrás apenas da índia. É a comunicação rápida e eficaz num mundo extremamente dinâmico. Por outro lado, não restam dúvidas de que a dependência no uso do aplicativo tem levado muitos usuários ao divã. Afinal, por que ele não me responde? Por que ela ainda não visualizou a mensagem? A história abaixo pode dar algumas pistas.

Dois dias depois do encontro no shopping, marcado após ambos se conhecerem por esses aplicativos de paquera, Andreia mostrava-se entristecida pelo sumiço do rapaz. Indecisa do que fazer, porém impaciente devido à ansiedade, num ímpeto pegou o celular o lado do computador e entre um relatório e outro, de bate-pronto, pensou: “vou mandar um oi. Achei ele um pouco tímido, deve ser por isso que ele ainda não tenha me enviado uma mensagem.

- Olá! (um risquinho).

Começava aí a suspeita de ter sido bloqueada por uma possível rejeição. Contudo, a foto do moço estava lá no perfil, e segundo dizia por mensagem a amiga otimista, o rapaz deveria estar fora da área de cobertura, o que Andreia respondeu com um emoji sorridente.A fome batia, a ansiedade angustiava, e as olhadelas no celular desviavam o foco no prato de lasanha que já esfriava. No caminho, de volta à empresa, e evidentemente com o celular na mão, Andreia fingia entender o que Sueli tagarelava porque a sua atenção estava voltada para o semáforo, pois assim que ele sinalizasse o vermelho para a passagem de pedestres, poderia olhar mais uma vez para o celular e alegrar-se com o duplo tique acinzentado que confirmava o envio da mensagem ao destinatário, menos com a pilha de documentos que lhe aguardavam sobre a mesa e que certamente lhe ocuparia a tarde toda.Na pizzaria, o Armando, aquele chato que havia se oferecido levar o grupo para o happy hour, seria a pessoa que lhe daria a pior das notícias.
- Odeio essa gente que retira esse recurso de visualização do WhatsApp.- Concordo - interrompeu Carlos. Pra mim é um meio covarde de se esquivar da conversa.- Ah, não sei. Acho que tem aqueles que não tem saco para mensagens fúteis, ou então, não querem ser cobrados por visualizarem e não responderem dentro do tempo que aquele que enviou julgar ser o ideal.
Claro que a Sueli não concordava com nada do que acabara de dizer, só estava querendo encher a bola da Andreia, que entre garfadas na pizza de calabresa não deixava de olhar para o celular.Armando retrucou em seguida.
- Que tempos! Antes incomodávamos por ligar, agora, porque enviamos uma mensagem para o embuste irritadinho.- Eu não tenho paciência para certas mensagens, mas procuro ser gentil. Há uns tempos, li uma matéria que ensinava regras para usar o aplicativo de acordo com uma escola de etiquetas inglesa. Acho que se chamava Deeeee... Debrett's. Bem famosa, com mais de duzentos anos de tradição, que dizia ser falta de ética não responder a uma mensagem. A maioria dos entrevistados considerava frustrante não obter uma resposta.
- É chato mesmo. Parece que estamos falando com as paredes. - argumentou, Carlos.

Carmen, como sempre com o seu jeito de agradar gregos e troianos.
- Considero uma forma de gentileza dar atenção àquele que me enviou uma mensagem. Pra mim pode ser uma mensagem sem importância, mas para o outro não é. O que custa responder?- E tem outra coisa - disse Carlos. A pior sensação é a dúvida: o sujeito leu ou não leu? E se leu, por que não respondeu?- E tem muita gente do “paz e amor”.- A turma do namastê? - perguntou com deboche Carmen.- Esses mesmos - devolveu Carlos.- Nessas horas o povo da direita e da esquerda dão as mãos. - resmungou da cabeceira o Silas que acompanhava a conversa como um apreciador numa partida de tênis.
O garçom interrompe a conversa. A fumacinha da pizza de frango deixou a irritação com o aplicativo de lado para trazer à mesa a dúvida sobre qual vinho iriam pedir.Nesse momento, Andreia levantou-se, e sem disfarçar pegou bolsa e celular e seguiu para o banheiro. Sabia que por lá não estaria sob os olhares piedosos de Sueli.Tudo bem com você? 
Andreia já estava na segunda taça, os risquinhos continuavam em cinza, e o Carlos debochava da Carmen por não responder as mensagens de bom-dia da sua mulher.
- Porque são chatas. Acho superficial e impessoal. Não confunda. Não é mensagem de diálogo.- Mensagem de diálogo?- Sim, quando é direcionada a alguém. Esses bom-dias são enviados quase que para todos os contatos do remetente. Eu já recebi um emoji desse acho que de um marceneiro que fez um serviço em casa uma única vez.- Certo, me convenceu. Entendi o seu ponto-de-vista.- Mas voltemos aos antiéticos.- Aos estressados. - ironizou Carlos em solidariedade a Armando.- Aos covardes? - Silas, o quietinho, deu logo um tiro de canhão.- Covardes? - claro que Sueli não deixaria por menos, afinal para Andreia supor que o seu moço teria sido por covardia seria a apunhalada fatal na sua autoestima.- Acho de uma covardia aquele que se esquiva de um papo. Ou o que é pior, que gosta de fingir ser o fodão ocupado.- Mas rapaz, sabe que eu não tinha pensado por aí.- Sim, Carlos. Há muitos que acham que responder uma mensagem minutos depois de recebê-la passará a impressão de ser alguém que não larga o celular ou que não tem nada mais pra fazer.- Ah, mas isso serve para o povo do tique azul também. - indagou, Sueli.- Sim, serve para ambos.- Então, que desinstale essa merda!O silêncio fez-se presente diante da primeira participação de Andreia na conversa, A partir de então desembestou a falar.- No passado havia apenas o telefone fixo. Ninguém ligava para avisar que iria ligar. Ligava, ponto. Do outro lado, quem atendia, caso estivesse ocupado, perguntava se era possível a conversa ser adiada para um momento oportuno. E sem traumas e neuras o outro concordava. Não havia celeumas. Chegamos à década dos celulares, que evidentemente por estar o tempo todo com o dono por certo haveria de receber uma ligação num momento inconveniente. E como eram caras as ligações… E como era engraçado ouvir a pessoa responder às pressas que não poderia atender.- Aí veio o zap-zap!-Zap-zap, não Sueli. Isso dói em meus ouvidos.- Ok, Silas… WhatsApp! Aliás, what’s happen?- Esnobou agora.- O que acontece, minha amiga, é que ligar incomoda, enviar mensagem incomoda… tudo incomoda. Temos que enviar uma mensagem para dizer que vamos ligar. E quando ligamos, perguntamos se o outro pode falar. Vivemos num mundo de gente incomodada com tudo. Só não sei se quando olham no espelho, são capazes de perceber o quão hipócritas são. Vocês se lembram quando a Cris se matou?- Putz, Andreia, isso agora?- Silas, é a vida. Vocês estão lembrados das mensagens no grupo do escritório?- Quais exatamente? Foram tantas…- Carlos, do povo que vinha com um papinho de deixarmos as desavenças de lado para sermos mais amigos. Teve até uma fulana, que não vou dizer o nome, depois vocês procuram, que disse: gente, a minha casa e o meu ombro estão à disposição de vocês. Essa filha da puta não me respondeu até hoje se sabia de casas pra alugar perto da empresa.- Verdade, amiga, me lembro do seu desespero por ter que sair às pressas porque o proprietário havia vendido o apartamento de uma hora para outra e nem sequer te comunicou.- Pois então, Sueli. A propósito. Vamos pedir a conta? Quero ir embora.
A fala de Andreia, por mais agressiva que aos estranhos naquela pizzaria pudesse parecer, não era direcionada aos seus colegas. Tinha destino certo. Ou melhor, destinatário, de quem cuja foto de perfil adquiria um esbranquiçado fantasmagórico, simbolismo do anonimato. O acabara de bloquear Andreia.A covardia no gesto abraçou o desprezo dele para com ela que deu pouco caso à tristeza e ao desencanto de Andreia, para quem, nos minutos seguintes, o amor renascia através do contatinho que lhe dava olá. Andreia olhou bem para a foto do rapaz e viu que a foto lhe era familiar. Armando, o chato, que do canto do balcão, disposto a pagar a conta da mesa, lhe sorria. Os risquinhos em azul pela mensagem de Armando seriam respondidos, porém de modo presencial. Nada melhor que o mais antigo meio de se comunicar entre os humanos.Texto: Elisa Marina

Um comentário:

  1. Texto simplismente incrível! Retrata tão fidedignamente essa realidade das relações nas redes sociais, cheias de expectativas, desencontros e desencantos. Parabéns Elisa!

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