A gramática da desigualdade entre os gêneros
Em 1930, Amélia de Freitas Beviláqua, esposa de Clóvis Beviláqua, jurista, historiador, filósofo, autor do Código Civil Brasileiro e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, apresentou-se como candidata à cadeira de número 23, na ABL, vaga com a morte de Alfredo Pujol. Nascida no Piauí, filha de um desembargador, Amélia escreveu artigos para os jornais de Recife e foi diretora da revista O Lírio, de 1902 a 1904. Pertencia à Academia Piauiense de Letras, sendo autora dos romances Vestas, Açucena, Angústia e Através da Vida. Todo esse currículo não bastou para sua recusa. Zonzos e perplexos, os membros não sabiam como agir. Surgia um problema gravíssimo, pois uma pessoa do sexo feminino ousara candidatar-se a uma cadeira. A sessão daquele maio de 30 é aberta pelo presidente Aloysio de Castro. Este submete à apreciação da Casa a seguinte preliminar: tendo em vistas os Estatutos, um candidato do sexo feminino pode inscrever-se? Falaram sobre o assunto Constâncio Alves, Augusto de Lima, Silva Ramos, Afonso Celso, Roquette-Pinto, Alberto de Oliveira e Coelho Neto, sendo afinal resolvido por maioria que na expressão brasileiro do Artigo 2º só se incluíam indivíduos do sexo masculino. Votaram contra a restrição Adelmar Tavares, Luís Carlos, Afonso Celso, Augusto de Lima, Fernando de Magalhães, João Ribeiro, Laudelino Freire. Félix Pacheco, dado como presente, não compareceu e fez declaração de voto favorável. O veto à candidatura de Amélia de Freitas deu-se sob o argumento de que o “brasileiros” contido no Estatuto e no Código Civil de 1916 era um “substantivo masculino”. Dizia o Estatuto: "só podem ser membros da Academia Brasileira de Letras brasileiros".
Em carta de 26 de agosto de 1930 a Laudelino Freire, Clóvis Beviláqua afirmava ser evidentemente injustificável a inteligência dada pela maioria dos acadêmicos, como inadmissível é supor que opinião nesse dia vencedora faça lei, não reunindo a maioria absoluta de membros da corporação”. Aditava: “Sinto que tenho de me alhear inteiramente desse caso. Fecharam rudemente as portas da Academia para Amélia. Não sofreu somente ela o golpe. Ambos nós o recebemos. E não parece bem a qualquer de nós praticar ato algum que possa ser interpretado como pedido de reconsideração da repulsa infringida.” Desde então Clóvis Beviláqua se afastou inteiramente da Academia, a ela não mais retornando apesar de numerosos apelos. Somente em 1970 foram alterados os Estatutos para permitir a candidatura de mulheres.
Sabemos que a regra da Língua Portuguesa determina que o uso de um substantivo masculino no plural para designar um grupo constituído por homens e mulheres. No entanto, sinais de novos tempos parecem dar luz aos períodos retrógrados da nossa Historia. A edição da Lei de 12.605/12 significa um avanço extraordinário na concretização da igualdade de gênero no Brasil. “Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas”. Determinando em seu artigo 1° que “as instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido”. Assim, a graduação em direito deve ser nomeada bacharel ou bacharela, com o desdobramento lógico jurídico imperativo na designação da profissão: advogado e advogada — com a obrigatória flexão de gênero refletida na nominação da Entidade de Classe, que tem por finalidade representar a advocacia brasileira, a OAB (artigo 44, da lei de 8.906/94). Neste sentido a OAB deve designar, segundo as regras da boa educação, Ordem das Advogadas e Advogados do Brasil. A sigla permanece a mesma, explica o advogado Antônio Oneildo Ferreira. Ainda precisamos caminhar muito por uma igualdade entre os gêneros. Mas enquanto isso, os versos do poeta e advogado Gregório de Matos Guerra, podem servir de incentivo. “O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo.” Sejamos todas e todos.
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