- Quantos anos você tem?
- Hoje eu não sei.
- Perdão?
- Hoje eu não sei quantos anos tenho, mas amanhã posso ter trinta e cinco.
- Trinta e cinco?
- Sim.
- Mas, espera! Pelo que sei você nasceu na década de 70.
- Sim, e por que perguntou a minha idade? Falha de memória?
- Que matemática é essa?
- Oficialmente nasci em 1974, portanto de acordo com os
registros tenho 48 anos de idade, porém esses quarenta e oito pertencem ao meu
registro civil e não a mim.
- Só que você é a persona portadora desse registro, logo...
- Logo sou uma Pessoa T.
- Pessoa T?
- Sim, embora o registro civil me oficializa com 48 anos, eu
me identifico com trinta e poucos.
- Como as pessoas trans, em que o gênero biológico não
corresponde ao gênero com o qual ela ou ele se identifica?
- Meio que por aí.
- Mas é se reconhecer com pessoas que hoje
estão com seus trinta e poucos anos?
- De forma alguma. É uma identificação com a Elisa com os seus trinta.
- E o amadurecimento? Me parece uma regressão, é isso?
Porque veja bem, você já viveu por quase cinco décadas, voltar dez anos me parece
colocar fim ao que fora vivido nos últimos anos. Envelhecer não é a somatória
dos anos, logo estamos envelhecendo a partir do primeiro dia de vida, e
portanto os anos passam a ser contados em idades.
- Não se trata de amadurecimento. Pra falar a verdade, idade
deveria ser um conceito desassociado da condição de existir dos sujeitos. Olhe
ao redor, há razão para saber que idade tem determinada pessoa? Ela é o que é a
partir do que se vê, logo ela é um corpo, não um número. Enquanto que a idade é o sujeito que não se vê. Só isso.
- Por essa lógica, eu sou registrado com um nome, mas posso querer me chamar por outro. É do corpo que se trata?
- Muito longe disso, afinal minhas células não mentem, e
assim como o meu registro civil elas também têm os seus quarenta e oito anos de
vida. Acho. E o nome você até pode mudar, a depender da motivo. Olha só, o nome não te define, assim como a cor da sua pele não deveria te definir também. Viu como idade, cor da pele, gênero são elementos segregam os sujeitos.
- Acha?
- Hã?
- Você disse um "acho" há pouco.
- Ah, sim. Há um papo por aí que considera que a idade celular
tem muito a ver com o estilo de vida, logo um idoso pode ser mais jovem que
muitos jovens, e blá-blá-blá.
- Agora deu bug. Qual a razão de dizer que se tem trinta e poucos,
se identificar com trinta e poucos quando realmente se tem 48?
- Nenhuma razão. Apenas a liberdade de se olhar no espelho e
dizer: hoje tenho 35 anos e ponto final. Sou uma pessoa T, que vive num corpo
Q. E amanhã serei uma pessoa Q num corpo C. Ou talvez, contrariando Mika Lins, uma pessoa
sem idade, porém que jamais omitirá a sua data de nascimento.
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