terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Do gênero à idade, a livre escolha das pessoas VTQCS+. Qual é a sua sigla?

A Bela Adormecida (1921), pintura de John Collie
Na Roma Antiga, as mulheres tinham o costume
de banhar-se com leite de jumenta para deixar
a pele bonita e jovial, sinal de que beleza e idade
sempre foram temas caros às mulheres
O mais recente “desafio” do Instagram – como são chamados convites que amigos fazem entre si para postarem uma foto temática – é o de publicar na rede social uma self em preto e branco, porém sem maquiagens ou correções, sob a legenda: eu não sou ageless, sou uma pessoa com x anos de vida. 

A proposta foi apresentada pela atriz e diretora Mika Lins para quem esse conceito de ageless (sem idade) é uma maneira de amenizar o envelhecimento e continuar carregando esse fardo de não poder envelhecer. Eu não sou ageless, eu tenho idade, sou uma mulher de 57 anos, assim definiu em sua conta no Instagram


Idade é a contagem do tempo oficializada por um documento, ou como você se coloca para o mundo? A partir de então com a liberdade de se ter a idade que desejar, o que certamente dará - e deu - um diálogo bem interessante entre id e ego, observados à distância pelo superego, e às vezes metendo o bedelho onde não fora chamado.

- Quantos anos você tem?

- Hoje eu não sei.

- Perdão?

- Hoje eu não sei quantos anos tenho, mas amanhã posso ter trinta e cinco.

- Trinta e cinco?

- Sim.

- Mas, espera! Pelo que sei você nasceu na década de 70.

- Sim, e por que perguntou a minha idade? Falha de memória?

- Que matemática é essa?

- Oficialmente nasci em 1974, portanto de acordo com os registros tenho 48 anos de idade, porém esses quarenta e oito pertencem ao meu registro civil e não a mim.

- Só que você é a persona portadora desse registro, logo...

- Logo sou uma Pessoa T.

- Pessoa T?

- Sim, embora o registro civil me oficializa com 48 anos, eu me identifico com trinta e poucos.

- Como as pessoas trans, em que o gênero biológico não corresponde ao gênero com o qual ela ou ele se identifica?

- Meio que por aí.

- Mas é se reconhecer com pessoas que hoje estão com seus trinta e poucos anos?

- De forma alguma. É uma identificação com a Elisa com os seus trinta.

- E o amadurecimento? Me parece uma regressão, é isso? Porque veja bem, você já viveu por quase cinco décadas, voltar dez anos me parece colocar fim ao que fora vivido nos últimos anos. Envelhecer não é a somatória dos anos, logo estamos envelhecendo a partir do primeiro dia de vida, e portanto os anos passam a ser contados em idades.

- Não se trata de amadurecimento. Pra falar a verdade, idade deveria ser um conceito desassociado da condição de existir dos sujeitos. Olhe ao redor, há razão para saber que idade tem determinada pessoa? Ela é o que é a partir do que se vê, logo ela é um corpo, não um número.  Enquanto que a idade é o sujeito que não se vê. Só isso.

- Por essa lógica, eu sou registrado com um nome, mas posso querer me chamar por outro. É do corpo que se trata?

- Muito longe disso, afinal minhas células não mentem, e assim como o meu registro civil elas também têm os seus quarenta e oito anos de vida. Acho. E o nome você até pode mudar, a depender da motivo. Olha só, o nome não te define, assim como a cor da sua pele não deveria te definir também. Viu como idade, cor da pele, gênero são elementos segregam os sujeitos. 

- Acha?

- Hã?

- Você disse um "acho" há pouco.

- Ah, sim. Há um papo por aí que considera que a idade celular tem muito a ver com o estilo de vida, logo um idoso pode ser mais jovem que muitos jovens, e blá-blá-blá.

- Agora deu bug. Qual a razão de dizer que se tem trinta e poucos, se identificar com trinta e poucos quando realmente se tem 48?

- Nenhuma razão. Apenas a liberdade de se olhar no espelho e dizer: hoje tenho 35 anos e ponto final. Sou uma pessoa T, que vive num corpo Q. E amanhã serei uma pessoa Q num corpo C. Ou talvez, contrariando Mika Lins, uma pessoa sem idade, porém que jamais omitirá a sua data de nascimento.

Por Elisa Marina

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