sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Marchinhas de Carnaval, a resistência de um gênero que atravessou os séculos

 

Chiquinha Gonzaga (1847-1935) foi uma
compositora, pianista e regente que com sua
obra mudou a história da música brasileira
Foto: Revista Galileu


Qual é o problema se é grande a cabeleireira do Zezé? Não importa o seu tamanho, não convém cortar a força o cabelo de Zezé, assim como querer beijar a Colombina sem que ela leve o Pierrô a mal simplesmente porque é Carnaval.

Se o parágrafo acima lhe pareceu confuso talvez seja porque Carnaval para você esteja desassociado às históricas marchinhas, gênero de música popular que foi predominante no Carnaval dos anos 20 aos anos 60, sendo a primeira, Ô Abre Alas, uma composição de 1889 de Chiquinha Gonzaga, e feita para agregar ao cordão carnavalesco Rosas de Ouro.

De origem portuguesa, as marchas carnavalescas são descendentes das marchas populares portuguesas e partilham com elas o compasso binário das marchas militares embora bem mais acelerado. Porém, inicialmente as marchinhas eram calmas e bucólicas, mas a partir da segunda década do século XX elas passaram a ter seu andamento mais acelerado. Isso aconteceu devido a influência da música comercial norte-americana, a qual vivia na era do jazz. Somente em 1952, o país produziu cerca de 400 músicas de Carnaval. 

E embora nos dias de hoje composições de marchinhas carnavalescas não estejam tão em voga, dar novos arranjos à composições antigas é fazer com o que o gênero resista ao tempo. Um exemplo é a música Sassaricando, marchinha de 1952 que em 1987 ganhou uma roupagem nova na voz da roqueira Rita Lee para a abertura da novela de mesmo nome.

Características

Temas como o amor, política, crítica social, profissões e homenagens são constantemente abordados dentro das marchinhas, com algumas peculiaridades: compasso binário, letras pequenas e simples, sentido ambíguo, facilidade no entendimento e memorização, humor, melodia simples, crítica social e política, ironia e escracho.

As inscrições podem ser feitas diretamente no 
Casarão das Artes ou de modo virtual 
(no link que segue na matéria)
Foto: Secop Suzano

Concurso

O Concurso de Marchinhas Carnavalescas – Edição Alto Tietê, que este ano homenageia o sambista Monarco, é promovido pela Secretaria de Cultura de Suzano, e encerra suas inscrições às 17 horas do próximo dia 31.

O objetivo do concurso é fomentar a produção do gênero musical, tornando possível ainda a revelação de talentos. Cada participante pode registrar uma composição no Prêmio Monarco. É necessário escolher entre uma música de liricidade poética ou uma letra voltada ao cotidiano. É possível também de inscrever duas marchinhas em cada categoria e concorrer ao Prêmio Pratas da Casa que, dentro da análise geral, irá eleger as melhores produções exclusivas da cidade. Haverá premiações em dinheiro para os três primeiros colocados. 

O prefeito em exercício e secretário de Cultura, Walmir Pinto, enfatiza que “serão aceitas apenas músicas e temas inéditos, ou seja, que não tenham sido veiculadas ao público em desfiles de Carnaval, outros concursos ou nas rádios. Ressaltamos também que não será permitida a inclusão de mensagens racistas, homofóbicas, misóginas, antidemocráticas e ofensivas”.

Inscrições pessoalmente ou on-line

Casarão das Artes 

Rua 27 de outubro, 271 – Centro - das 9h às 17h

Formulário: bit.ly/PremioMonarcoForms


Fonte: Nova Brasil FM

Texto: Elisa Marina

 

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Do gênero à idade, a livre escolha das pessoas VTQCS+. Qual é a sua sigla?

A Bela Adormecida (1921), pintura de John Collie
Na Roma Antiga, as mulheres tinham o costume
de banhar-se com leite de jumenta para deixar
a pele bonita e jovial, sinal de que beleza e idade
sempre foram temas caros às mulheres
O mais recente “desafio” do Instagram – como são chamados convites que amigos fazem entre si para postarem uma foto temática – é o de publicar na rede social uma self em preto e branco, porém sem maquiagens ou correções, sob a legenda: eu não sou ageless, sou uma pessoa com x anos de vida. 

A proposta foi apresentada pela atriz e diretora Mika Lins para quem esse conceito de ageless (sem idade) é uma maneira de amenizar o envelhecimento e continuar carregando esse fardo de não poder envelhecer. Eu não sou ageless, eu tenho idade, sou uma mulher de 57 anos, assim definiu em sua conta no Instagram


Idade é a contagem do tempo oficializada por um documento, ou como você se coloca para o mundo? A partir de então com a liberdade de se ter a idade que desejar, o que certamente dará - e deu - um diálogo bem interessante entre id e ego, observados à distância pelo superego, e às vezes metendo o bedelho onde não fora chamado.

- Quantos anos você tem?

- Hoje eu não sei.

- Perdão?

- Hoje eu não sei quantos anos tenho, mas amanhã posso ter trinta e cinco.

- Trinta e cinco?

- Sim.

- Mas, espera! Pelo que sei você nasceu na década de 70.

- Sim, e por que perguntou a minha idade? Falha de memória?

- Que matemática é essa?

- Oficialmente nasci em 1974, portanto de acordo com os registros tenho 48 anos de idade, porém esses quarenta e oito pertencem ao meu registro civil e não a mim.

- Só que você é a persona portadora desse registro, logo...

- Logo sou uma Pessoa T.

- Pessoa T?

- Sim, embora o registro civil me oficializa com 48 anos, eu me identifico com trinta e poucos.

- Como as pessoas trans, em que o gênero biológico não corresponde ao gênero com o qual ela ou ele se identifica?

- Meio que por aí.

- Mas é se reconhecer com pessoas que hoje estão com seus trinta e poucos anos?

- De forma alguma. É uma identificação com a Elisa com os seus trinta.

- E o amadurecimento? Me parece uma regressão, é isso? Porque veja bem, você já viveu por quase cinco décadas, voltar dez anos me parece colocar fim ao que fora vivido nos últimos anos. Envelhecer não é a somatória dos anos, logo estamos envelhecendo a partir do primeiro dia de vida, e portanto os anos passam a ser contados em idades.

- Não se trata de amadurecimento. Pra falar a verdade, idade deveria ser um conceito desassociado da condição de existir dos sujeitos. Olhe ao redor, há razão para saber que idade tem determinada pessoa? Ela é o que é a partir do que se vê, logo ela é um corpo, não um número.  Enquanto que a idade é o sujeito que não se vê. Só isso.

- Por essa lógica, eu sou registrado com um nome, mas posso querer me chamar por outro. É do corpo que se trata?

- Muito longe disso, afinal minhas células não mentem, e assim como o meu registro civil elas também têm os seus quarenta e oito anos de vida. Acho. E o nome você até pode mudar, a depender da motivo. Olha só, o nome não te define, assim como a cor da sua pele não deveria te definir também. Viu como idade, cor da pele, gênero são elementos segregam os sujeitos. 

- Acha?

- Hã?

- Você disse um "acho" há pouco.

- Ah, sim. Há um papo por aí que considera que a idade celular tem muito a ver com o estilo de vida, logo um idoso pode ser mais jovem que muitos jovens, e blá-blá-blá.

- Agora deu bug. Qual a razão de dizer que se tem trinta e poucos, se identificar com trinta e poucos quando realmente se tem 48?

- Nenhuma razão. Apenas a liberdade de se olhar no espelho e dizer: hoje tenho 35 anos e ponto final. Sou uma pessoa T, que vive num corpo Q. E amanhã serei uma pessoa Q num corpo C. Ou talvez, contrariando Mika Lins, uma pessoa sem idade, porém que jamais omitirá a sua data de nascimento.

Por Elisa Marina

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

A minha inexistente homofobia passou por essa porta

Entrada do prédio localizado na Rua Major
Sertório/Foto: Google Maps
Efervescência cultural nos anos de 1980, a região central da capital paulista agrupava bares e casas noturnas frequentados, em sua maioria, pela comunidade acadêmica, os intelectuais, escritores, jornalistas, e pessoas que pertenciam ao que se chamava à época movimento GLS, sigla para Gays, Lésbicas e Simpatizantes, enquanto que eu era apenas uma testemunha ocular no alto dos meus dez, onze anos de idade.

Costumo dizer que eu não tive tempo para ser homofóbica. Explico. Eu tinha um tio - irmão de consideração de meu pai – e vítima fatal da Aids – que morava na região da República e para onde eu, meus pais e meu irmão íamos aos sábados, a família heteronormativa que morava na pacata cidade de Poá. O apartamento dele, localizado na Rua Major Sertório, e próximo de todo aquele agito, mostrava para mim uma realidade bem oposta da provinciana cidade que não tinha uma vida cultural tão cheia de cores como a que eu via nos finais-de-semana na São Paulo com as suas diferentes tribos.

Evidentemente que o meu olhar para tudo isso, guardado ainda na memória da mulher de 48 anos de idade de hoje, não era elaborado com tanta propriedade assim. E claro que por razões óbvias eu não frequentava as boates que o hoje denominado público LGBTQIAP+ costumava ir, portanto, não tenho repertório para falar a respeito. Mas o que mais me encantava na região era haver ali uma atmosfera que não sei exatamente explicar qual, ambientada por pessoas das artes, da escrita, mundo este que mais tarde eu viria a pertencer. Tinham ali escritores e jornalistas renomados que eu sequer conhecia, mas eles estavam lá como viriam a confirmar mais tarde em entrevistas em que diziam ter frequentado, dentre tantos lugares, o Espaço Pirandello, um misto de restaurante e antiquário, e onde comi um macarrão adocicado, sem ter a mínima noção do que se tratava o prato de nome esquisito do cardápio. Devo ter pedido pelo nome diferenciado, um hábito que não mudou muito.

Foram tempos, diria, responsáveis para que eu me apaixonasse por São Paulo. Dizem que o amor real é um afeto sem razão de existir, uma explicação que eu concordo, porém abro exceção para exprimir o meu bem-querer à capital paulista.

Logo ali, no terraço do primeiro andar, com 
uma simplória cobertura, era de onde eu via
as travestis com seus vestidos justos e
brilhantes/Foto: Google Maps

E quando não íamos a restaurantes, o fervo ocorria numa quitinete decorada com esmero localizada no número 304 da já mencionada Major Sertório, a casa do querido Roberval Amâncio. Meus pais, meu irmão, e eu ouvíamos histórias de seus amigos, todos homossexuais e sempre em maior número além daqueles quatro interioranos poaenses.

São tempos que guardo com carinho na memória com um curto circuito de emoções: caem lágrimas festivas que por vezes saem de cena (e devem) para deixar entrar a tristeza pela dor de sua partida tão cedo quando ainda estava na casa dos cinquenta anos de idade.

Os anos de 1980 trouxeram o HIV, 2020, o Sars-Cov2, dois vírus devastadores - cada qual dentro da sua realidade, evidentemente –, mas que hoje apresentam tratamento, à Aids e à Covid-19, respectivamente, ambos muito mais avançado quando comparado aos anos de pico das duas pandemias. Sinal claro de que a Ciência avança com vias de buscar a cura desses vírus, só não encontrou até agora um tratamento eficaz para o vírus da homofobia, este tão mortal como os outros dois, o que sabemos não ser um problema das ciências, mas da sociedade como um todo.   

Texto: Elisa Marina

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

O dia em que conversei com o rei

 

Em foto na Avenida Paulista, Pelé 
simula uma conversa com Felipão, 
então técnico da Seleção Brasileira
na Copa de 2014/ Sebastião Moreira
(EFE)

Nasci no ano de 1974, ano em que o Rei Pelé deu por encerrada a sua atuação com a camisa da seleção brasileira. E desde sempre cultuei uma admiração pelo astro que sequer vi jogar; o Pelé que conheci era o das reprises que traziam para os meus sete, dez, doze anos de idade jogadas espetaculares que não via sair dos pés dos jogadores que estavam por defender as cores verde e amarela da Canarinho nas copas que se seguiam.

No entanto, em paralelo ao futebol, naqueles tempos a televisão, os jornais e as muitas revistas de fofocas publicavam histórias sobre a vida particular do rei. Estavam ali o namoro com outra realeza, Xuxa, a rainha dos baixinhos, cujas matérias davam status de monarquia à relação. Teve também um suposto namoro com a primeira miss Brasil negra, Deise Nunes, e que viria pôr fim a especulações de que Edson Arantes do Nascimento, não mais Pelé, somente se relacionava com mulheres branca. 

E então o episódio mais midiático de todos, e que levou os brasileiros para o ringue das paixões. O reconhecimento da filha Sandra Regina que ocorreu após uma midiática disputa judicial. A partir de então, muitos que diziam admirar o rei passaram a desprezá-lo.

Confesso que isso não mudou em nada o que pensava sobre ele, talvez porque algo da jornalista que eu ainda não era já vivia em mim; e, portanto, ouvir o outro lado era uma lição que a faculdade de jornalismo me daria tempos depois. E foi como jornalista que tive a oportunidade de ter um breve contato com Pelé. Foi em 2012 quando trabalhei na Cinearte, produtora responsável pelo filme Pelé Eterno (2004), dirigido por Aníbal Massaini, amigo próximo do rei, e meu chefe à época. 

Próximo ao horário do almoço, o telefone toca. Na ausência da secretária de Massaini, coube a mim atender aquela ligação cuja voz que saía do outro lado da ligação era impossível não saber de quem se tratava. Foram segundos de um diálogo do qual eu nunca me esqueci, e que eu reproduzo a seguir:

- Cinearte bom dia.

- Ô minha querida, eu queria falar com o Aníbal.

- Pelé??? Tudo bem?? [Como eu resisti em não falar muito mais com você? Por que a tietagem não foi mais forte do que o que determina certa etiqueta profissional? E continuei: Só um instante, por favor.

Repassei aquela ligação com a sensação de dever cumprido, mas sabendo que o arrependimento perduraria por toda a minha vida, jamais saiu de mim, a fã. Para Pelé, fui apenas uma “querida” qualquer, a funcionária próxima ao telefone no horário em que ligou. Para mim ele era o Pelé, aquele Pelé, não qualquer Edson, mas o Edson Pelé, o Pelé Edson, quais sejam os seus nomes próprios. Era ali, foi e será por muito tempo o brasileiro mais embaixador do Brasil que até hoje existiu.

Não trabalho mais na Cinearte, e caso ousadia fosse o meu sobrenome em 2012, talvez a fã adormecida de outrora teria dado àquela Elisa Marina a demissão por justa-causa mais celebrada dentre todas. E pode ser que eu teria sido para aquele Pelé mais  uma Elisa, ainda assim com nome próprio, e não somente uma “querida”. Porém, quis o destino assim que eu guardasse aquele momento sem nenhuma prova material, não tenha gravação, e o Pelé não está mais aqui para confirmar. Tenho guardado comigo tão-somente a lembrança o registro que de tempos em tempos a minha fiel memória traz à tona.

Por: Elisa Marina