quarta-feira, 29 de junho de 2022

Ao deus Zé Celso, com todo o meu prazer...

Dionísio no palco, Zé Celso em cena
encena Zé Celso/Foto: Elisa Marina

Deixem-me falar! E pedi. Não deixou, ele, o senhor dono do microfone, controlador do senhor tempo. Não cabiam mais perguntas, um cala-boca ao corpo que em estado de paralisia, choque e admiração não foi capaz de elaborar a pergunta que chegaria aos ouvidos depravados e despudorados do deus sentado no centro do palco. Não como um rei. Zé Celso abomina qualquer termo aristocrático. Detestou ouvir da moça que era uma honra estar a seu lado. Honra é palavra da aristocracia. Mas aceitou ouvir os prazeres que antecediam perguntas, as filosóficas, discorreu por minutos sobre Nietzshe, concordando ser ele Dionísio, e Antunes, o Apolo. "Antunes Filho me odeia", disse, arrancado gargalhadas da plateia.

Não perguntei o que não disse e o que talvez não devesse ser perguntado. Guardo comigo a dúvida se a minha questão teria potência para se fazer ouvir por aquele corpo que há sessenta e cinco anos de carreira, e oitenta e tantos de idade, segue esquivando-se, não, enfrentando, dando a cara a bater para essa moral-cristã, dona de medos paranoicos que atravessam nossos corpos a milênios, e que, pode ser, tenha nos impedido de rasgar os panos pretos do Auditório Municipal Armando de Ré, um incômodo para um homem desamarrado de regras e rigores. Não o obedecemos, ainda que intimamente os progressistinhas em peso concordassem, como deixar a paralisia e fazer esse atravessamento, Zé Celso?  Não fossem os passos lentos pelo corpo parado pela pandemia, Zé Celso certamente faria cair ao chão suzanense o pano preto que acostumamos a ver sem sequer julgar o quanto sua presença fosse desnecessária. Ao contrário dele, Martinez Corrêa, o ser livre e liberto, e obrigado a ouvir da plateia um como fazer teatro a tanto tempo? Fazendo! Obrigada, Zé Celso, por tamanho brilhantismo ante perguntas estúpidas. Caralho! É José Celso Martinez Corrêa, ali no palco da 11ª Mostra de Referências Teatrais de Suzano, para ser usado e lambuzado. O mesmo José Celso Martinez Corrêa, que a anos enfrenta o poderoso e aristocrático homem do baú na briga por um mísero (para o SS) pedaço da terra a que lhe é permitido ao Oficina brigar, não fosse por isso, certamente diria ao poderoso: que enfie no meio do seu baú! Contudo você é José Celso, resistência e enfrentamento, aos mais dos mesmos, aos que invejam seu corpo livre, mas que, sabemos, em seus íntimos, gritam e invejam a liberdade dos livres como você é, sempre foi, e sempre será. Porque você é imortal, sem que para isso tenha o aval de uma academia de letras, porque você é... você é Zé Celso. E ponto-final.

Texto: Elisa Marina

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