quinta-feira, 28 de abril de 2022

O Brasil revelado na literatura de Ignácio de Loyola Brandão


Evento aconteceu no Cineteatro 
Wilma Bentivegna, em Suzano
Foto: Escobar Franelas
Loyola é um narrador da vida. Seu olhar peculiar para o Brasil antecipa o que iremos ver mais à frente. Assim foi com Não Verás País Nenhum, romance apocalíptico que em 1981 já desenhava o Brasil de hoje. Há ali um líder negacionista, há um vírus letal que mata 200 milhões de habitantes, há o sufocamento pela destruição da vida verde, há o medo, há a opressão, há o autoritarismo, há solidão. Mas não aquela do seu espetáculo, Solidão no fundo da agulha, em que divide o palco ao lado da filha, a cantora e atriz Rita Gullo. Loyola nunca foi solitário, seus personagens reais e imaginários lhe acompanham desde sempre. Com ele, conhecemos a professora primária Lurdes Prado, a Vanda, a Odete, a Clélia, Chiquinho Franco, Cidinha Valério, Jurandir...personas da sua vida real.

Quando em palco, Loyola repousa a caneta, e o microfone dá voz a histórias onde todas essas pessoas se encontram, e imortalizam-se em suas crônicas, narradas com o mesmo encanto ao daquele jovem que quando dava os primeiros passos no jornalismo ouviu o conselho do cronista que lhe inspiraria para a vida toda, Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico, garoto, olhe para a janela. É lá que está a vida. Afinal, a vida para Nelson, é como ela é.

Loyola, imortal desde 2019, foi luz aos mortais que se dispuseram a ouvir suas histórias no dia de ontem, em uma quente noite de outono na cultural cidade de Suzano. Ignácio de Loyola Brandão retornou à cidade como escritor convidado da primeira edição pós-pandemia do Trajetórias Literárias, evento organizado pelo também escritor Ademiro Alves, muito mais conhecido como Sacolinha.

Ao longo de sua carreira de escritor, o araraquarense Ignácio de Loyola publicou 47 livros, escreveu mais de 2.500 crônicas e inúmeros textos jornalísticos, muitos destes ganharam vida no extinto jornal Última Hora, nas revistas Cláudia e Vogue, só pra citar alguns veículos. Por sinal, foi nesta última em que tive a honra de ter Loyola como meu editor. Era 1997, lembro-me do dia em que cheguei à sede da revista Vogue para apresentar meus simplórios textos publicados nos jornais produzidos por nós, alunos de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes. 

Livro, publicado em 1981, é um
de seus livros mais vendidos 


Assim que entrei naquela mansão neoclássica, eu não tinha a pretensão de ser recebida por ele, fui com o objetivo único de deixar meu currículo na recepção. Mas o inesperado aconteceu. E eis que de repente, aquela mesma recepção servia de cenário para uma foca mostrar seus escritos para um consagrado jornalista e escritor. E sobre o que ela falava? Da vida acadêmica, das áreas do conhecimento, e de trigonometria, um palavrão matemático que me causa arrepios até hoje. E Loyola, com a sua gentileza e cordialidade, após passar os olhos pelas páginas do tabloide, fixa o olhar por minutos no meu texto, para depois erguer a cabeça, encarar uma amedrontada jornalista recém-formada, e pronunciar a frase mais imortal dentre todas: quem escreve sobre trigonometria pode escrever sobre qualquer coisa.

Caro Loyola, hoje respondo àquela provocação de 1997. Já escrevi sobre muitas coisas. Com você, até o ano 2000, sobre moda e estilo de vida, sem você, sobre política, erotismo e a perversidade humana. Mas com todo o prazer do mundo lhe digo que nunca mais escrevi sobre trigonometria. No entanto, se um dia a pauta da vez for sobre geometria ou qualquer outro palavrão do mundo das Ciências Exatas irei entrar naquele transporte mágico que nos leva para o mundo da fantasia e de lá retirarei o seu imortal conselho, que diz ser ela [a fantasia] que nos ajuda a suportar a vida.

E principalmente hoje, tempos em que a Cultura clama por artistas insólitos, nos cabe também reproduzir a pergunta que intitula seu livro recém-entregue à editora: Deus, Por Que Você Não Diz O Que Quer De Nós? Contudo, se ele não nos responder, ainda assim nós continuarem em frente, porque com a nossa resistência imortal, aprendemos a fantasiar a vida. E isso nos basta.

Texto: Elisa Marina

6 comentários:

  1. Belíssimo texto (crônica?!...) sobre uma noite inesquecível com um pensador memorável.

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  2. Conhecer a obra de Loyla Brandão, apó
    s ler o texto da Elisa, se faz necessário.

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  3. Ótima texto sobre essa noite que pra mim já é memorável.

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