quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

As crianças nos carros à frente não nos acenam

 

Legislação determina cadeirinhas e assentos
específicos de acordo com o tamanho e idade
da criança/ Imagem: Doutor Multas

Eram os anos de 1980. Época em que os adultos fumavam na nossa frente, nas nossas costas e nos cômodos fechados onde brincávamos. Podia ser no playground coberto de um restaurante, no salão de festas do aniversário do coleguinha, e todo e qualquer lugar em que estivessem. E sem querer, nós éramos mirins fumantes passivos que até podíamos comprar um maço de cigarros no bar da esquina mas nunca tragar uma bituca. Aos 95 anos de idade, ela continua a afirmar que começara a fumar ainda criança, e pelas mãos do avô. E o pai do Luiz Felipe que achou graça quando o flagrou com um cigarro na mão? Até hoje, com seus 52 anos, ele jura de pé junto jamais ter colocado aquele cigarro na boca.


Em sua maioria, os adultos nos protegiam, enquanto que  os homens da lei pareciam pouco se importar conosco. Nas bancas de jornal, havia capas de revistas com mulheres (e nenhuma com homens) em posições que as faziam expor tudo o que os nossos pais nos proibiam ver. A famosa rainha sem coroa, com seus colantes cavados, divertia a criançada pela manhã e no filme proibido alegrava marmanjos e baixinhos com mais de dezoito anos de idade, pelo menos é o que achávamos, até vir à tona a tal cena erótica envolvendo um menino menor de idade. Abafemos o caso.

Acho que os adultos nos protegiam, já os homens da lei nem se importavam com a nossa segurança nos bancos dos automóveis. Espremidos, viajávamos por horas junto ao frango assado na forma socada no bagageiro. Quando não estávamos em pé no banco - aos que o tamanho lhes permitia - a diversão era ajoelhar-se para, de costas para o motorista, acenávamos para os motoristas que nos seguiam. Valia acenar como também mostrar a língua. E que pai, mãe, ou seja lá o condutor, que vigiava o comportamento dos pirralhos se a obrigação deles era manter o foco na direção do veículo? Cabe destacar que a maior parte dos motoristas era bem gentil e igualmente acenava com sorrisos e risadas.
 
Então eu cresci e me habilitei, e meio que ao acaso me dei conta de que não há mais crianças expostas nos vidros traseiros dos veículos. Onde elas estão? Pausa. Claro, elas estão sentadas nos bancos, em cadeirinhas, assentos específicos, presas a cintos de segurança, em conformidade com o que determina as leis vigentes.

Em acordo com o Código de Trânsito, os chamados Sistemas de Redenção Infantil - SRI são fundamentais para proteger os pequenos em situações como freadas bruscas e acidentes de trânsito, um avanço inquestionável, no entanto, um saudosismo me atravessa quando sei que dificilmente uma criança irá acenar para mim e eu acenar de volta com sorrisos e gargalhadas. Aliás, os vidros agora escurecidos, os  encostos altos não nos permitem sequer enxergar se há alguma criança no carro da frente, sequer acenar. 

Evidentemente que não que se retroceder, mas a interação com o outro estranho a mim era um comportamento que muito revela em comparação com as crianças de hoje, uma geração impactada pela perda das interações sociais. E o horizonte que se avista é um cenário com muitos mundos, porém isolados entre si.

Por Elisa Marina 

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