Dança dos Anjos - Leonid Afremov |
Cardiologistas recomendam. Endocrinologistas indicam.
Neurocientistas orientam. Ginecologistas aconselham. Seja qual for o
especialista, exercícios físicos são sinônimos de saúde na opinião de dez entre
dez profissionais da área. Sabemos disso, e pode ser até que intuitivamente
desde que nascemos, basta observar um bebê em seus primeiros meses de vida:
mãos, braços, pernas e dedinhos exercitam-se mutuamente mesmo com o corpo em
repouso. Portanto, a máxima é: quer viver mais e melhor, mexa-se!
Para um corpo que já experimentou a dança, para mim, optar
por essa modalidade como meio de exercitar o corpo, não foi uma escolha muito
difícil, mesmo depois de décadas de músculos adormecidos pela falta de uma
rotina dançante. Agendo uma aula experimental na primeira opção que o Google me
sugere, uma escola que ensina o Ballet Contemporâneo, estilo que eu nunca havia
praticado.
O local é um espaço simpático que vou conhecendo na
companhia da proprietária e diretora artística. No entanto, saber que em uma
das salas locada acontecem reuniões de cunho religioso me causou certo
incômodo, porque a cultura que eu acredito, credito, e valorizo, é a da arte
livre e libertadora. Sem questionar, deixei de lado julgamentos precipitados e vi
aquilo como um negócio que pudesse gerar lucro para a escola.
Sou apresentada à pessoa a quem coube fazer aumentar a lista
de incômodos, a professora era nova e para minha surpresa as duas adolescentes
com quem havia cruzado minutos antes no vestiário seriam minhas colegas de
turma, isso já foi mais que suficiente para eu perceber o quanto destoante da
turma eu era.
Antes dos primeiros passos de ballet, vamos aos primeiros passos
sociais, as apresentações. Percebendo que eu estava longe de ser uma teenager, a professora não hesita em
deixar claro que a minha inabilidade dançante não seria um problema. Eu já dei aulas em outras escolas, a minha aluna
mais nova tinha uns seis anos, e a mais velha, uns 45. Palavras escritas
são impossíveis de descrever aquele enfático QUARENTA E CINCO ANOS!
Começo a me arrepender por não ter atravessado as grades da
janela, fugir teria me poupado momentos constrangedores que eu sabia que
certamente viriam. “A minha aluna mais velha tinha 45”, a frase ainda sussurrava
no ouvido quando interfiro dizendo ter três anos a mais que a aluna de 45 que
eu sequer conheço mas de antemão me solidarizo por deixá-la no humilhante penúltimo
lugar na escala sênior das alunas idosas.
Contudo, como humilhação pouca é bobagem, meus movimentos
coreográficos desalinhados aos das fofoletes só confirmam que aquela não seria
a minha turma, portanto, prefiro ser a aluna observadora do que a executora, e
esperar ansiosamente pelo momento derradeiro, o relaxamento. Deitada, meu corpo
nada cansado não tem do que relaxar, ao menos para dar à mente condição de
elaborar o que foram esses noventa humilhantes minutos, e que culminariam na
razão do título dessa crônica. Fechem os
olhos! Ela ordena, e eu obedeço. Aproveitem
para relaxar o corpo. Mais? Ah, eu
esqueci de orar no começo da aula. ORAR? FOI ESSE O VERBO EMPREGADO? Ou
então, ornar, certo? Eu orno, tu ornas, nós ornamos, e elas ornam pés e mãos.
Senhor, peço a ti que
se manifeste através da arte. E uma sequência de blá-blá-blá frases
religiosas de efeito coaching se sucedem. Saí de lá com os meus credos, o primeiro,
aquele que sigo de forma íntima e pessoal, e o outro, o espanto de perceber
como nossos corpos são conduzidos de modo que nem a sua vontade seja escutada.
Ali, qual era - e ainda é - o meu desejo? Dançar! Mas não nos campos do Senhor.
Texto: Elisa Marina
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