quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Dançando nos campos do Senhor

 

Dança dos Anjos - Leonid Afremov

Cardiologistas recomendam. Endocrinologistas indicam. Neurocientistas orientam. Ginecologistas aconselham. Seja qual for o especialista, exercícios físicos são sinônimos de saúde na opinião de dez entre dez profissionais da área. Sabemos disso, e pode ser até que intuitivamente desde que nascemos, basta observar um bebê em seus primeiros meses de vida: mãos, braços, pernas e dedinhos exercitam-se mutuamente mesmo com o corpo em repouso. Portanto, a máxima é: quer viver mais e melhor, mexa-se!

Para um corpo que já experimentou a dança, para mim, optar por essa modalidade como meio de exercitar o corpo, não foi uma escolha muito difícil, mesmo depois de décadas de músculos adormecidos pela falta de uma rotina dançante. Agendo uma aula experimental na primeira opção que o Google me sugere, uma escola que ensina o Ballet Contemporâneo, estilo que eu nunca havia praticado.

O local é um espaço simpático que vou conhecendo na companhia da proprietária e diretora artística. No entanto, saber que em uma das salas locada acontecem reuniões de cunho religioso me causou certo incômodo, porque a cultura que eu acredito, credito, e valorizo, é a da arte livre e libertadora. Sem questionar, deixei de lado julgamentos precipitados e vi aquilo como um negócio que pudesse gerar lucro para a escola.

Sou apresentada à pessoa a quem coube fazer aumentar a lista de incômodos, a professora era nova e para minha surpresa as duas adolescentes com quem havia cruzado minutos antes no vestiário seriam minhas colegas de turma, isso já foi mais que suficiente para eu perceber o quanto destoante da turma eu era.

Antes dos primeiros passos de ballet, vamos aos primeiros passos sociais, as apresentações. Percebendo que eu estava longe de ser uma teenager, a professora não hesita em deixar claro que a minha inabilidade dançante não seria um problema. Eu já dei aulas em outras escolas, a minha aluna mais nova tinha uns seis anos, e a mais velha, uns 45. Palavras escritas são impossíveis de descrever aquele enfático QUARENTA E CINCO ANOS!

Começo a me arrepender por não ter atravessado as grades da janela, fugir teria me poupado momentos constrangedores que eu sabia que certamente viriam. “A minha aluna mais velha tinha 45”, a frase ainda sussurrava no ouvido quando interfiro dizendo ter três anos a mais que a aluna de 45 que eu sequer conheço mas de antemão me solidarizo por deixá-la no humilhante penúltimo lugar na escala sênior das alunas idosas.

Contudo, como humilhação pouca é bobagem, meus movimentos coreográficos desalinhados aos das fofoletes só confirmam que aquela não seria a minha turma, portanto, prefiro ser a aluna observadora do que a executora, e esperar ansiosamente pelo momento derradeiro, o relaxamento. Deitada, meu corpo nada cansado não tem do que relaxar, ao menos para dar à mente condição de elaborar o que foram esses noventa humilhantes minutos, e que culminariam na razão do título dessa crônica. Fechem os olhos! Ela ordena, e eu obedeço. Aproveitem para relaxar o corpo. Mais? Ah, eu esqueci de orar no começo da aula. ORAR? FOI ESSE O VERBO EMPREGADO? Ou então, ornar, certo? Eu orno, tu ornas, nós ornamos, e elas ornam pés e mãos.

Senhor, peço a ti que se manifeste através da arte. E uma sequência de blá-blá-blá frases religiosas de efeito coaching se sucedem. Saí de lá com os meus credos, o primeiro, aquele que sigo de forma íntima e pessoal, e o outro, o espanto de perceber como nossos corpos são conduzidos de modo que nem a sua vontade seja escutada. Ali, qual era - e ainda é - o meu desejo? Dançar! Mas não nos campos do Senhor.

Texto: Elisa Marina

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