quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Tchau, "querido", até nunca mais!

 

Judith decapitando Holofernes (1613) 
Artemisia Gentileschi*
Museu Capodimonte, Nápoles
Seus últimos anos com ele não foram bons, alguns consideravam a relação com um grau de toxidade tamanho que era até difícil entender como ela resistira por tanto tempo lidando com episódios de agressões, abusos psicológicos, alicerçados num insistente desejo sempre presente, como que a delegar a ele uma iniciativa inerente a sua própria responsabilidade: quando ele irá embora? Embora fosse impossível imaginar que ele a deixaria por conta própria, através de um impulso repentino de um adeus. E então, depois de quatro árduos anos, e a partir da decisão de sujeitos empáticos a seus sofrimento, finalmente o divórcio ocorreu, e liberta dele ela está.No entanto, ao contrário de usufruir de sua liberdade - estaria ela sob efeito da Síndrome de Estocolmo em que a vítima cria um laço emocional com seu algoz? - ele continua como presença consistente na mente dela, ora em manhãs de recordação pelo sofrimento vivido na carne, ora nas noites de sono perdidas de olho no smartphone para saber por onde ele anda. Como que presa a um masoquismo enraizado na psique, ela não percebe que deixá-lo ir, esquecê-lo de vez, e mais ainda enterra-lo para sempre nas profundezas da insignificância, lhe trará alívio, paz, e a certeza de que relações saudáveis são possíveis, e um novo amor há de aparecer brevemente. A nossa jovem democracia, assegurada por sessenta milhões de brasileiros naquele histórico 30 de outubro, precisa libertar-se de seu opressor, a saber, Jair Messias Bolsonaro.

King Kong (2005) - direção:
Peter Jackson

Hollywood por vezes nos ensina algumas lições. No filme King Kong, a enorme criatura, exemplar único da sua espécie no planeta, habita a Ilha da Caveira, um lugar longínquo da cidade de Manhattan, distância essa que mantém a segurança da vida dos exemplares humanos. Ao macaco cabe apenas uma reflexão: Se não vierem até mim, não irei até vocês, e está tudo certo. Mas irão, como há décadas temos visto através dos roteiros que o cinema já produziu, com o olhar de diretores ávidos por vender um medo a partir de uma história possível de existir apenas na ficção. 

Voltemos à realidade, mais precisamente no Brasil de 2018 quando tiramos Jair Bolsonaro do seu submundo e o trouxemos para a civilização, nos anos que antecederam aquelas eleições que culminaram na vitória do pior presidente que esse país foi capaz de eleger para estar à frente do poder Executivo. Deputado federal do chamado baixo-clero, Bolsonaro precisava atrair para si a mídia de outro modo que não fosse pelo seu trabalho como parlamentar que, como bem sabemos, foi uma página em branco nos quase trinta anos que por lá esteve. Portanto, lhe restava recorrer a saída mais viável para isso, ou seja, a palavra estruturada nos seus preconceitos. 

Charge de campanha do jornal
Folha de S.Paulo em defesa
da democracia

Do lado de fora da cena política, figuras midiáticas como Jean Wyllys, até então um professor universitário assumidamente homossexual e recém-saído vitorioso de um reality show de maior audiência da televisão brasileira, sem querer acabou por abrir uma trilha por onde Bolsonaro caminhou guiado pelos holofotes de Jean. Não que os seguidores do ex-Big Brother que mais tarde o elegeriam deputado federal, simpatizassem com a tal criatura tosca, muito pelo contrário, na ânsia de exporem os preconceitos de Bolsonaro (contra gays, negros, mulheres) contribuíram para que suas falas fossem ao encontro de seus pares. Sim, caro leitor, cara leitora, aquele seu cunhado, irmão, pai, ou mãe, todos eles com seus monstros adormecidos a espera daquele quem um dia os despertassem do sono profundo, e então do submundo emergiram todos eles. O que se viu a partir daí é público e notório.É necessário e urgente apagar Bolsonaro das nossas redes sociais, muito embora outros exemplares fantasmagóricos estejam por perto com o intuito de nos assombrar. Por outro lado, sabemos o quanto é difícil assistir a uma fala homofóbica, racista, ou ler uma  notícia falsa produzida por ele ou pelo seu entorno, sem se indignar, e por isso dividir com os seus amigos seria um meio de expor essas figuras ao escracho público. Entretanto, no mundo dos algoritmos a lógica é outra, e o bolsonarismo precisa da visibilidade para se perpetuar. Por isso o melhor nesse caso é denunciar a postagem aos órgãos competentes, ou então denunciar nas redes sociais onde a publicação foi divulgada. A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi conquistada depois de um longo e árduo caminho, por isso não podemos reviver a mesma tragédia, sob o risco de Bolsonaro ser reeleito em 2026.Temos que abandonar de vez essa relação tóxica de quatro anos que nos deixou marcas profundas. É preciso levar Jair Bolsonaro e seus pares de volta para o submundo e de onde ele jamais deveria ter saído. Não podemos repetir 2018. Que Bolsonaro seja objeto de desejo apenas da justiça brasileira, e a ele resta o nosso mais sincero grito: tchau, querido, até nunca mais!

*Artemísia Gentileschi, pintora barroca, imprimiu em suas obras dores e angústias de sua própria vida. Judith decapintando Holofornes é interpretada a partir do estupro da artista por seu mentor Antonio Massi, aos 18 anos de idade, ainda mais quando se sabe que Artemisia se usou  como modelo para essa representação.

Por Elisa Marina

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