quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Ganhador de três prêmios Jabuti, João Carrascoza é o convidado de hoje no encontro sobre literatura em Suzano

Carrascoza cria tramas com profundidade, e narra
histórias que podem parecer comuns, mas é daí que
sua escrita encontra meios próprios de extrair os 
dramas de suas personagens/Foto: Arquivo Pessoal 



Nesta quinta-feira, o Trajetórias Literárias, evento coordenado pelo escritor Ademiro Alves de Sousa, o Sacolinha, recebe o escritor João Anzanello Carrascoza, autor de contos e romances. Mas antes de ir a Suzano, o escritor concedeu uma entrevista exclusiva para o Labareda Carmim.

Nascido em Cravinhos (SP), Carrascoza publicou os romances Trilogia do Adeus, Aos 7 e aos 40 e Elegia do Irmão, além dos livros de contos Diário das Coincidências, Aquela Água Toda e Tramas de Meninos.

Recebeu, entre outros, três prêmios Jabuti, APCA, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, e da Fundação Biblioteca Nacional. Seu primeiro livro, Hotel Solidão, foi publicado em 1994. Algumas de suas histórias foram traduzidas para inglês, francês, italiano, sueco e espanhol. É publicitário por formação, e atualmente leciona na USP e na ESPM.

Nessa entrevista sobre Tramas de Meninos, Carrascoza elabora a morte que está presente em muitos dos contos e nos ajuda a pensar que essas tramas também podem ser ouvidas como dramas de meninos, que se emaranham na relação conflituosa entre irmãos, como no conto Nuvem, que são também tecidas pelo olhar do filho em Separação ao assistir a repetidas cenas de violência doméstica, ao mesmo tempo em que busca compreender que tipo de amor há naquela relação, entre pai e mãe. É neste fio condutor atemporal que Carrascoza tece historias de pessoas comuns, onde a profundidade desses dramas constitui um bordado de cores, ora suaves, ora densas, mas sempre tramas.

Labareda Carmim – O que o escritor João Carrascoza tirou de si, do menino João, para escrever essas tramas de meninos?

João Carrascoza – A gente sempre tem um menino dentro da gente. E o Tramas de Meninos me deu uma ideia de construir um conjunto de contos, com uma ordenação espelhada, sendo a primeira parte (Primeiros Fios) um conjunto de contos e a segunda (Segundos Fios), outro conjunto de contos, formando outra fiação, outra linhagem de historias, mas com uma correspondência entre o primeiro conto e o último, e assim sucessivamente, para demonstrar os vários meninos: os que ainda são meninos, os homens que se lembram de quando eram meninos, os homens velhos que acessam os meninos que existem neles. E embora pareçam que sejam só tramas de meninos, são tramas de meninas também, pois há várias personagens femininas.

LC – São tramas de meninos, como também de meninos homens quando tomados por suas lembranças. Somos meninos e meninas flertando com um corpo adulto que insiste em apagar a própria infância?

JC – Muitas personagens estão na história para representar o mundo feminino. São as meninas que a gente encontra no caminho. As meninas-irmãs, as meninas-tias, as meninas-amigas... É por esse caminho que eu fui construindo esse livro, para que ele tivesse essas narrativas se intercalando, e ao mesmo tempo se entrelaçando para criar um espectro maior de trama, de desenho, no qual tivessem identidades distintas, tanto de homens quanto de mulheres.

LC – Vidente é um conto que me toca, porque não se trata da morte do outro (ainda que ela esteja ali como um medo sufocante) mas da própria morte. E em muitos dos contos do livro, a morte está de algum modo inscrita, às vezes descrita, ou então citada. Para você, falar de morte, da morte, ou sobre a morte, te causa angústia, ou seria mais do que isso, um alívio a uma angústia e que por isso escrever sobre é deitar num divã imaginário?

JC – Com relação ao conto Vidente, fico contente que você tenha observado e feito uma leitura profunda dele, ele vai dialogar – porque ele é o penúltimo conto da segunda parte – vai fazer um arco, reflexo, com o segundo da primeira parte que é [o conto] Quem?. Não se sabe quem morre num determinado acidente, você deve se lembrar. E também em Vidente, o vidente está procurando entender quem é que vai morrer, como ele sempre soube quem iria. E ele só vai descobrir [alerta de spoiller] que é ele mesmo, como você mesmo pergunta.

Eu sempre tive uma relação com a morte desde menino, observando que no fundo, apesar de ser um corte na existência, um corte definitivo, a vida é muito mais valiosa porque há um fim para ela. Então, a morte só se justifica porque há uma vida. Mas por outro lado, até quando a gente vai morrer, a morte tem que ficar a espera, de joelhos ou não, quieta ou não, mas de qualquer maneira, encarcerada, para que a gente possa realizar a vida, que a vida possa se cumprir plenamente dentro do tempo que ela foi possível realizar-se. Como a morte é o fim da consciência, não há de se sentir dor, nem tristeza, nem perda, nem saudades, quem sentirá serão aqueles que estão. Portanto, há de se preocupar com o que fazer da nossa vida, antes que a morte chegue.

LC – “Como um filho não se faz sem um homem, logo as amigas desaguaram a falar sobre seus maridos (...)”. Sobre essa passagem no conto Presentes, a Ciência concordaria com o narrador, já as feministas provavelmente não, e mais, diriam que um filho também se cria sem maridos. Dito isso, eu te pergunto se a sua escrita dialoga com o feminismo, ou você se sente livre para escrever à margem dessas falas que ressoam hoje na sociedade?

JC – A frase está dentro de um contexto, de que a mulher precisa de um homem, não no sentido de estar com ela para cuidar dos filhos, pois há muitas mulheres que cuidam de seus filhos cujos pais são ausentes. Mas na conjuntura da narrativa, como as amigas estão se encontrando para um chá de bebê, a ideia é de uma relação com o lado do masculino, ou seja, por mais que você possa querer um filho, é preciso ter a parte masculina desse filho, o sêmen do homem.

Na minha literatura você vai encontrar presenças femininas fortes, até porque eu entrei para a literatura como escritor graças às mulheres: minha mãe, minha avó, minhas tias, minhas irmãs, primas, enfim, as mulheres que circulavam muito na minha casa, que contavam muitas histórias entre si, que eu gostava muito de ouvir, que me incentivaram a ler, como também me incentivaram a escrever as histórias que vinham pra mim, então é um mundo feminino no qual eu sou muito grato, e sempre procuro representar [todas] de maneiras distintas: a mulher cuidadosa, a mulher que ama outra mulher... É possível encontrar todas elas em outros textos que venho escrevendo.

 LC – De um modo abrangente, como vê o percurso da literatura no Brasil de 2022? 

JC – A literatura brasileira tem se movido bastante com a grande inclusão de escritores, tanto da prosa quanto da crônica e do romance, e mesmo da poesia, até da não-ficção, do ensaio crítico, dando espaço para muito segmento minoritário, como vemos, por exemplo, a literatura de causas negras, a literatura indígena, enfim, são novas temáticas e de posição de grupos que antes tinham pouco espaço em função de um certo monopólio editorial, monopólio de mercado, monopólio acadêmico e do campo literário. Fico feliz de ver esse movimento de grande abertura, o que amplia a pluralidade e a beleza da literatura feita entre nós.

Texto: Elisa Marina               

Trajetórias Literárias

Quando: Hoje, às 20h

Onde: Cineteatro Wilma Bentivegna

            Rua Paraná, 70 – Jardim Paulista – Suzano

Entrada gratuita

 





Nenhum comentário:

Postar um comentário