quinta-feira, 19 de maio de 2022

Políticas públicas, meios que garantem direitos básicos, principalmente às pessoas LGBTQI+

 

Houve um tempo em que uma pessoa LGBTQIA+ era classificada como alguém portadora de uma doença que a condicionava a ser quem ela era. Esse dia deixou de existir a partir do dia 17 de maio de 1990 quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade como uma doença. Essa foi apenas uma luta vencida, porque o caminho para o reconhecimento como pessoas que devem ter seus direitos garantidos – e assistidos – ainda encontra duras pedras.

Alexandra Braga, professora da rede municipal de ensino de Mogi das Cruzes, fundadora e vice-presidente do Fórum Mogiano LGBTQIA+, em entrevista para o Labareda Carmim, avalia que o ativismo “ainda implora por migalhas”, ou seja, por direitos mais que básicos, incluindo aí até mesmo o acesso ao direito fundamental da saúde. O movimento que ela coordena conseguiu com o plenário da Câmara da cidade a criação de um laboratório de atendimento em saúde, mas ela já deduz que haverá resistência quanto a sua implantação, “por haver uma clara posição contrária ao nosso ativismo por parte do poder público”. E completa. “Eles não falam abertamente, mas sabemos que de forma velada essa discriminação existe”. Por essa razão ela entende como urgente  eleger mais pessoas ligadas à causa, já nas eleições desse ano, que é quando os eleitores do Brasil irão às urnas para escolher os próximos deputados (federal e estadual), senadores, governadores e o mais urgente dentre todos os cargos, o chefe do Executivo. “Temos que eleger outro presidente, e que seja no primeiro turno”, destaca a professora.

Alexandra Braga, fundadora e vice-
presidente do Fórum Mogiano 
LGBTQIA+/Foto: Arquivo Pessoal

No entanto, algumas ações públicas na região devem ser destacadas, mesmo que aconteçam de forma tímida, é o caso de Suzano, onde a Secretaria de Saúde local pretende adequar novas práticas de acompanhamento integral a pessoas transexuais nas unidades da rede municipal ainda neste semestre. Entre os serviços oferecidos pela unidade de referência estão o acompanhamento médico de endocrinologia, psiquiatria e ginecologia, o apoio psicossocial nas fases pré e pós-cirurgia de transgenitalização e nos procedimentos de hormonoterapia. E dar auxílio em casos de complicações decorrentes do uso inadequado e prolongado de hormônios e silicone industrial.

E para que novas políticas públicas avancem é preciso, ainda, muito ativismo, sobretudo porque em Mogi, o Fórum Mogiano terá de encontrar meios próprios para poder se posicionar, uma vez que os vereadores da cidade em sua maioria votaram contra à reivindicação do movimento que tinha como proposta a oficialização da parada do orgulho LGBTQIA+, para que fizesse parte do calendário oficial de Mogi das Cruzes. O que deixa claro o descaso com essa parcela da população, mesmo porque o direito à livre manifestação é o primeiro passo para a reivindicação de todo e qualquer direto.

Texto: Elisa Marina






domingo, 15 de maio de 2022

Jornalista, ser ou não ser, eis a questão

Representando o Brasil, Mauro de
Oliveira abordou os impactos das
redes sociais na vida dos usuários/
Foto: Arquivo Pessoal

Pedindo licença a William Shakespeare para extrair de sua peça, A tragédia de Hamlet, a frase mais famosa e enigmática para pensar a profissão de jornalista e um receio em exercê-la frente a constantes ataques de governos autoritários, é o caso de se pensar, caros jornalistas, ser ou não ser? O mais recente caso deixa bem claro esse contexto. No último dia 13 de maio, o exército de Israel invadiu o funeral da jornalista palestina Shireen Abu Akleh e derrubou seu caixão no chão. Executada com um tiro no rosto enquanto exercia a profissão, Shireen não teve direito nem a um funeral digno.

A credibilidade do que se escreve e sobre quem se escreve é questionada, quando não, ameaçada. E como se não bastasse tudo isso, este profissional ainda vê suas matérias competirem de igual com conteúdos falsos ou equivocados, popularmente conhecidos como fake news, cujos propósitos são alarmar a sociedade, massificar a desinformação, produzir o caos a fim de atrair seguidores para os interesses de quem os divulga. Um exemplo clássico foram as mentiras criadas em torno da vacina para a Covid-19, mesmo com todas as evidências científicas comprovadas com relação as suas eficácias, e sem efeitos graves. Muitos recusaram o imunizante por "ouvirem dizer que os efeitos colaterais seriam danosos ao organismo".

O jornalismo tem como objetivo a investigação e apuração dos fatos, e o que daí for extraído torná-lo público. E quando o exposto é aquilo o que se pretendia esconder, o jornalista vira ele próprio notícia do jornalismo. Somente no Brasil, os ataques a profissionais do setor possuem números significativos, foram 430 ocorrências ao longo de 2021, segundo a Federação Nacional dos Jornalistas, com base na pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP, em parceria com diversas instituições internacionais.

A violência contra o jornalista e a desvalorização do profissional criaram uma atmosfera de desinteresse para atrair novos candidatos, e sendo assim qualquer um que cria um blog se sente autorizado a se autodenominar jornalista, como se para isso bastasse apenas saber escrever, ou se posicionar bem a frente das câmeras. Para o mestre e doutor em Administração e Marketing pela FEI, jornalista e matemático Mauro de Oliveira, à frente da agência de comunicação Noticiando, e pesquisador associado da FEI, onde publica artigos e pesquisas científicas, como também em jornais internacionais, inicialmente é preciso entender que a profissão de jornalista sofreu um duro impacto com o fechamento das redações, principalmente da mídia impressa, e como consequência o desemprego para a categoria só aumentou. E mais, a informação na era digital se aproxima mais de um mundo sustentável. A produção de jornais e revistas em papel, além de tudo, é mais cara. E o impacto negativo é que a qualidade na apuração dos fatos ficou posta em cheque, sobretudo porque muitos sites passaram a trabalhar com poucos jornalistas, logo o release [texto enviado pelo assessor de imprensa ao jornalista como sugestão de pauta] que o assessor de imprensa encaminha para determinado veículo vira a própria matéria daquele site. Para ilustrar a tragédia, Oliveira relembra uma ocasião em que começou a receber muitas ligações com pedidos de emprego, o que lhe causou certa estranheza. Acontece que o seu release, que continha seus dados, fora publicado na íntegra, sem que ao menos o profissional da redação se desse ao trabalho de retirar o número de celular do assessor de imprensa, no caso, Mauro de Oliveira, que faz assessoria de imprensa para o Núcleo Brasileiro de Estágios, o Nube – Estagiários e Aprendizes.

Pavor de textão

Ao contrário do que dizem por aí, o brasileiro lê. Contudo, a dúvida é o que os leitores brasileiros estão consumindo? Uma característica interessante é a aversão que muitos têm a textos longos, o famoso textão. Logo, notícias que requerem um trabalho de apuração maior, como estudos econômicos, dados trabalhistas, por exemplo, e que impactam diretamente a vida cotidiana das pessoas, rendem textos muito longos, o que acaba por desanimar o leitor.

A Satisfação com a Vida Influencia
o Uso do Facebook
(tradução ao tema
da palestra de Mauro de Oliveira,
na conferência internacional

Não por acaso, no ranking das matérias mais lidas nos principais portais de notícias, os conteúdos classificados como "fofocas" aparecem no topo.  Mauro de Oliveira entende esse fato como um cansaço com informações, digamos assim, mais pesadas. As pessoas querem aquilo que irá lhes trazer leveza. É como se a dureza da vida fosse diluída com a leitura de um texto sobre, por exemplo, o vestido caro da cantora famosa, observa o professor. E isso se reflete até mesmo nas redes sociais, conforme comprova sua tese de doutorado, quando revela que “a satisfação com a própria vida aumenta o engajamento nas redes sociais”, ou seja, aquele que posta conteúdos felizes quer mostrar ao mundo que se é realmente feliz.

Com mais de vinte e cinco anos de profissão, Mauro de Oliveira se mostra feliz como jornalista, sem que para isso tenha que ter o aval de uma rede social. Discreto, publica pouco sobre sua vida pessoal, mesmo quando posto em momentos impagáveis, como quando, em 2018, ao retornar de uma viagem à China, depois de participar como convidado do governo de lá para representar o Brasil em uma conferência internacional de Gestão e Marketing, somente soube que Jair Bolsonaro havia sido eleito presidente do Brasil pelo taxista do Aeroporto de Guarulhos. Oliveira ficou no país asiático por cerca de um mês, e como as notícias por lá eram divulgadas apenas em chinês, idioma que ele não domina, e o acesso a redes sociais, proibido, ficou impossível acompanhar o embate político entre esquerda e direita que ocorria no mundo virtual. Foi então que ele, como cidadão, entendeu e percebeu o quanto é fundamental estar informado. Por isso, avalia, a profissão de jornalista nunca estará ameaçada de extinção por uma razão simples: por mais que haja redes sociais, a imprensa ainda tem credibilidade, e é ela que sempre estará no local dos fatos realizando o indispensável trabalho de apuração, a fim de levar a notícia ao cidadão que realmente quer a informação, conclui.

Texto: Elisa Marina - jornalista

 

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Chamamento para o Edital da Lei de Incentivo ao Casamento

 

A todos os cidadãos e cidadãs incomodados com o estado civil alheio, a saber, solteiro, separado e/ou divorciado, a Prefeitura Municipal de Curiosidade anuncia a abertura do Edital da Lei de Incentivo ao Casamento.
O presente edital tem como propósito satisfazer aos anseios de desocupados e desocupadas que lançarão mão de seu próprio tempo para incentivar Romeus e Julietas a encontrarem seus respectivos pares.
Para tanto, faz-se necessário que o desocupado ou a desocupada comprovem isenção de problemas quaisquer outros em seus respectivos lares. Será excluído do presente edital aquele ou aquela que por ventura deixar louças por lavar por cinco minutos após o término das refeições. Ou se houver, em um dos cômodos da moradia do desocupado ou da desocupada rastros de sapatos pelo chão capazes de serem detectados pela perícia especializada da nossa CIA (Companhia de Investigação Anônima). Aquele que infringir as regras deste edital ficará sujeito à multa diária de V$ 10 mil verdadeiros.


No entanto, uma  vez aprovado ou aprovada no presente edital, o desocupado ou a desocupada se propõe a realizar eventos com candidatos ou candidatas que obedeçam a critérios específicos e pré-determinados pelos Romeus e pelas Julietas, objetos de ser deste edital.
Por fim, como medida cautelar, e na hipótese de não haver interesse por parte dos Romeus e das Julietas nos candidatos ou candidatas ofertados, o desocupado ou a desocupada se propõe a recolher-se a sua insignificância a fim de cuidar de sua própria vida. Brasil, 2022 d.CTexto: Elisa Marina
Crédito do título: Alessandra Galindo

terça-feira, 10 de maio de 2022

Nando 1 e Nando 2, personagens de uma época sem smartphones

Fachada da escola "Professor
Geraldo Justiniano de Rezende e Silva/
Foto: Oi Diário (2018)
Antes de ler esse texto, exclua toda a sua bagagem de comunicação nesses tempos modernos, a saber, WhatsApp, Messenger, Telegram... porque o propósito dessa escrita é voltar aos tempos em que digitar era o verbo que se tornaria recorrente num futuro muito distante da nossa imaginação. Voltemos, então, a 1992. 

Depois de trinta anos, seria um pouco difícil para mim descrever com exatidão em qual dia do calendário escolar tudo começou, mas a memória é capaz de narrar a história como um todo. Nós éramos duas amigas inseparáveis, alunas de um enfadonho curso de Magistério.

Nenhuma das duas tinha a menor vocação para a arte de lecionar, mas estávamos ali como estudantes que buscavam por um emprego tão logo a formatura ocorresse, e que se tudo saísse dentro dos conformes, em três anos seríamos professorinhas primárias a escrever em lousas verdes de alguma sala de aula do município paulista de Suzano, ou região. Porém, até que o diploma estivesse fixado na parede, era preciso atravessar os anos daquele curso que era um porre de aturar, mas que com o tempo buscamos meios de torná-lo, digamos, menos moroso. 

 

 Iniciamos o curso com uma classe lotada de mulheres de idades variadas, algumas delas até filhos tinham, logo os assuntos fugiam totalmente do que os nossos hormônios em polvorosa queriam ouvir. Onde estavam os garotos? Nas salas do Inciso, o filho mais velho do antigo Segundo Grau, e pai do atual Ensino Médio, nos cursos de Contabilidade e Processamento de Dados, longe do nosso quadrilátero abarrotado de XX, ansiávamos por XY, e o meio mais fácil de se chegar até eles, ainda dentro da sala, era se comunicar através das carteiras escolares, as mesinhas esverdeadas onde a escrita a lápis simbolizavam o extravasar de uma rebeldia juvenil.

Modelo de carteiras escolares nos
 anos de 1990
Então, na matéria amadeirada fez-se a escrita, da escrita, a mensagem, e da mensagem a paquera, e assim se deu as correspondências das garotas do Magistério diurno com os mocinhos da Contabilidade do noturno, eram eles Nando 1 e Nando 2, os Fernandos de nossas vidas escolares.

Se hoje, a expectativa por uma resposta por WhatsApp causa ansiedade, o pior era naqueles tempos enviar a mensagem numa sexta-feira e ter que esperar pela resposta na segunda-feira seguinte, por sinal, uma lição que eu deveria ter aprendido. Mas quem iria imaginar que teríamos décadas depois descendentes rebeldes da comunicação, sendo o WhatsApp o mais conhecido dentre todos, cuja proposta é proporcionar uma troca de mensagens instantâneas, a depender do usuário, evidentemente.

Os nossos Nandos eram ousados. Com o tempo, as conversas foram ganhando ares picantes e empolgantes, e o virtual estava a ponto de deixar o campo do imaginário para se tornar real mais pela insistência deles do que nossa. Acredito que nossos inconscientes já figuravam medos pré-existentes, com um iminente primeiro encontro, e como gentis cavalheiros propuseram vir ao nosso encontro. Vale lembrar que nós não tínhamos a mínima noção de como seriam as aparências dos nossos Nandos, até então amores imaginários.

Dada a nossa empolgação, o assunto já tinha se espalhado pela sala de aula, de modo que no dia combinado para o dating, a audiência feminina vivia a expectativa do tão esperado encontro. A nosso favor, tínhamos a localização da sala, cujas janelas para a rua iriam facilitar uma espiadinha antes para o contato ser menos impactante, no caso de os mocinhos não corresponderem com o que o nosso imaginário nos deixava sonhar. E de fato, como prevíamos, eles não eram gatinhos, ou como diriam as nossas mães, não eram pães, talvez bolachinhas cream-cracker, sem gosto algum, insossas tanto quanto aquele Magistério. 

Acredito que, inconscientemente, foi com essa experiência que nunca dei crédito para paqueras virtuais, porque idealizar uma figura a partir da sua escrita galanteadora é querer forçosamente que a magia se ajuste ao real, o que a meu ver é um grande equívoco. Ali, nossos Nandos não nos encantaram o tanto quanto suas mensagens românticas e divertidas assim o fizeram, porque provavelmente a magia da paquera estivesse na caligrafia que nos fazia imaginar um beijo da boca de um corpo que somente existia na mente, e por lá todas essas sensações devessem  ficar. Contudo, fomos além, arriscamos ao levarmos o nosso simbólico para o real.

É divertido relembrar aquele tempo. Essa história havia caído no esquecimento, mas foi recordada na quinta-feira, 5 de maio, durante conversas de encerramento de uma oficina de escrita para a qual fui convidada a organizar. O papo fluía sobre a comunicação por WhatsApp, meio pelo qual os sujeitos são revelados. Há os que respondem, os que ignoram, os que apenas dão bom-dias, os que trocam piadinhas ou textos políticos, os que fingem não ler… Foi aí que ao acaso eu pensei naquele tempo gostoso de escrever sem o medo bobo de achar estar incomodando o destinatário por simplesmente escrever, porque estes estão entediados demais, irritados demais, cansados demais, é o "estar de saco cheio" que os conduz a sujeitos escravizados por essa política neoliberal de aprisionamento dos corpos, onde dizer que não se tem tempo ao outro é dizer da sua importância no mundo, logo, os gentis e cordiais são os desocupados.

“Não dá para dizer tudo”, foi o tema da referida oficina. Nem escrever tudo, nem postar tudo. Mas dá para deixar de ser mais do mesmo? E retomar a nostalgia de uma comunicação que falava e ouvia, lia e respondia, um diferencial num mundo cada vez mais surdo e mudo. “Por um corpo escrita”, o subtítulo da oficina diz muito desses tempos de emojis, substitutos das palavras. Nossos corpos desejam falar, e também serem escutados.

Texto: Elisa Marina

Foto: Oi Diário