quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Para uma conscientização negra que se estenda para além de novembro



Por mais de duas horas, Nei Lopes
destacou o legado de Lima Barreto para
brasileiros de um Brasil que pouca
importância dá, ainda, a sua obra/ Foto: 
Elisa Marina

Novembro, mais precisamente o dia 20, é marcado como o Dia da Consciência Negra, período entendido a que a sociedade reflita e perceba as injustiças raciais pelas quais passam diariamente negros e negras que aqui vivem, e revivem cotidianamente casos de racismo que não param de crescer. Por isso, para além de um dia, ainda é preciso muito mais que um dia, talvez os doze meses do calendário a fim de conscientizar aqueles que não perceberam, ainda, que certos privilégios são sustentados por um racismo institucional e secular.

Para tanto, diversos eventos estão sendo realizados na região do Alto Tietê. A cidade de Suzano conta com uma programação diversificada que vai de palestras à exibição de longas-metragens e documentários durante o mês de novembro.

 Em Mogi das Cruzes, a vida e obra do escritor Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) foi contada por mais de duas horas no Sesc Mogi das Cruzes pelo olhar do compositor escritor, cantor, e estudioso das culturas africanas Nei Lopes. Jornalista e escritor, Lima Barreto nasceu num 13 de maio que sete anos depois viria a ser marcado como data da abolição da escravatura através de uma lei que deixa claro que ser liberto não é necessariamente ser livre.

Lima Barreto sentiu na pele, mais precisamente na mente, os seus aprisionamentos, que não o incapacitavam mas abriam portas para o vício na bebida. O medo de parecer louco o fazia vítima das loucuras de uma sociedade que lhe imputava todo tipo de julgamento, para uma vez capturado pela viatura policial ser deixado, largado e esquecido em manicômios do Rio de Janeiro. 

Dentro ou fora, Lima Barreto produzia, escrevia quanto mais os insanos, os outros, o desafiavam, ou quando até mesmo os intelectuais lhe davam as costas, entra aqui a recusa de Rui Barbosa para ingressar na Academia Brasileira de Letras. Em 1922, é encontrado morto em sua cama, abraçado a uma revista literária, no dia 1º de novembro, nove meses depois daquela moderna semana de arte que ocorrera em solo paulistano.

Cineteatro é um dos espaços de Suzano a servir 
palco para apresentações em comemoração
ao mês da Consciência Negra/ Foto:
Secom


Eventos em Suzano 

17 de novembro - 20h

Noite de Capoeira - mestre Amaro

Local: Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi

Rua Benjamim Constant, 682 - Centro

19 de novembro - 19h

Cine Resistência - documentário

Local: Cineteatro Wilma Bentivegna

Rua Paraná, 70 - Centro - Suzano

20 de novembro - a partir das 10h

Roda de Capoeira

Aula aberta de dança urbana

Apresentações urbanas

Local: Parque Max Feffer

Av. Sen. Roberto Simonsen, 90 - Jardim Imperador

21 de novembro - 19h

Lançamento do livro Rap Cultura e Poesia - autor Felipe Oliveira Campos

Local: Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi

Rua Benjamim Constant, 682 - Centro

23 de novembro - a partir das 14h

A Princesa e o Sapo

Infiltrado na Klan

Local: Cineteatro Wilma Bentivegna

Rua Paraná, 70 - Centro - Suzano

Palestra: Questões sobre o racismo e violência simbólica - 19h30

Local: Centro de Educação e Cultura Francisco Carlos Moriconi

Rua Benjamim Constant, 682 - Centro

30 de novembro

Jamaica Abaixo de Zero - 14h

Selma, uma história de liberdade - 19h

Local: Cineteatro Wilma Bentivegna

Rua Paraná, 70 - Centro - Suzano


Por: Elisa Marina

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Tchau, "querido", até nunca mais!

 

Judith decapitando Holofernes (1613) 
Artemisia Gentileschi*
Museu Capodimonte, Nápoles
Seus últimos anos com ele não foram bons, alguns consideravam a relação com um grau de toxidade tamanho que era até difícil entender como ela resistira por tanto tempo lidando com episódios de agressões, abusos psicológicos, alicerçados num insistente desejo sempre presente, como que a delegar a ele uma iniciativa inerente a sua própria responsabilidade: quando ele irá embora? Embora fosse impossível imaginar que ele a deixaria por conta própria, através de um impulso repentino de um adeus. E então, depois de quatro árduos anos, e a partir da decisão de sujeitos empáticos a seus sofrimento, finalmente o divórcio ocorreu, e liberta dele ela está.No entanto, ao contrário de usufruir de sua liberdade - estaria ela sob efeito da Síndrome de Estocolmo em que a vítima cria um laço emocional com seu algoz? - ele continua como presença consistente na mente dela, ora em manhãs de recordação pelo sofrimento vivido na carne, ora nas noites de sono perdidas de olho no smartphone para saber por onde ele anda. Como que presa a um masoquismo enraizado na psique, ela não percebe que deixá-lo ir, esquecê-lo de vez, e mais ainda enterra-lo para sempre nas profundezas da insignificância, lhe trará alívio, paz, e a certeza de que relações saudáveis são possíveis, e um novo amor há de aparecer brevemente. A nossa jovem democracia, assegurada por sessenta milhões de brasileiros naquele histórico 30 de outubro, precisa libertar-se de seu opressor, a saber, Jair Messias Bolsonaro.

King Kong (2005) - direção:
Peter Jackson

Hollywood por vezes nos ensina algumas lições. No filme King Kong, a enorme criatura, exemplar único da sua espécie no planeta, habita a Ilha da Caveira, um lugar longínquo da cidade de Manhattan, distância essa que mantém a segurança da vida dos exemplares humanos. Ao macaco cabe apenas uma reflexão: Se não vierem até mim, não irei até vocês, e está tudo certo. Mas irão, como há décadas temos visto através dos roteiros que o cinema já produziu, com o olhar de diretores ávidos por vender um medo a partir de uma história possível de existir apenas na ficção. 

Voltemos à realidade, mais precisamente no Brasil de 2018 quando tiramos Jair Bolsonaro do seu submundo e o trouxemos para a civilização, nos anos que antecederam aquelas eleições que culminaram na vitória do pior presidente que esse país foi capaz de eleger para estar à frente do poder Executivo. Deputado federal do chamado baixo-clero, Bolsonaro precisava atrair para si a mídia de outro modo que não fosse pelo seu trabalho como parlamentar que, como bem sabemos, foi uma página em branco nos quase trinta anos que por lá esteve. Portanto, lhe restava recorrer a saída mais viável para isso, ou seja, a palavra estruturada nos seus preconceitos. 

Charge de campanha do jornal
Folha de S.Paulo em defesa
da democracia

Do lado de fora da cena política, figuras midiáticas como Jean Wyllys, até então um professor universitário assumidamente homossexual e recém-saído vitorioso de um reality show de maior audiência da televisão brasileira, sem querer acabou por abrir uma trilha por onde Bolsonaro caminhou guiado pelos holofotes de Jean. Não que os seguidores do ex-Big Brother que mais tarde o elegeriam deputado federal, simpatizassem com a tal criatura tosca, muito pelo contrário, na ânsia de exporem os preconceitos de Bolsonaro (contra gays, negros, mulheres) contribuíram para que suas falas fossem ao encontro de seus pares. Sim, caro leitor, cara leitora, aquele seu cunhado, irmão, pai, ou mãe, todos eles com seus monstros adormecidos a espera daquele quem um dia os despertassem do sono profundo, e então do submundo emergiram todos eles. O que se viu a partir daí é público e notório.É necessário e urgente apagar Bolsonaro das nossas redes sociais, muito embora outros exemplares fantasmagóricos estejam por perto com o intuito de nos assombrar. Por outro lado, sabemos o quanto é difícil assistir a uma fala homofóbica, racista, ou ler uma  notícia falsa produzida por ele ou pelo seu entorno, sem se indignar, e por isso dividir com os seus amigos seria um meio de expor essas figuras ao escracho público. Entretanto, no mundo dos algoritmos a lógica é outra, e o bolsonarismo precisa da visibilidade para se perpetuar. Por isso o melhor nesse caso é denunciar a postagem aos órgãos competentes, ou então denunciar nas redes sociais onde a publicação foi divulgada. A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi conquistada depois de um longo e árduo caminho, por isso não podemos reviver a mesma tragédia, sob o risco de Bolsonaro ser reeleito em 2026.Temos que abandonar de vez essa relação tóxica de quatro anos que nos deixou marcas profundas. É preciso levar Jair Bolsonaro e seus pares de volta para o submundo e de onde ele jamais deveria ter saído. Não podemos repetir 2018. Que Bolsonaro seja objeto de desejo apenas da justiça brasileira, e a ele resta o nosso mais sincero grito: tchau, querido, até nunca mais!

*Artemísia Gentileschi, pintora barroca, imprimiu em suas obras dores e angústias de sua própria vida. Judith decapintando Holofornes é interpretada a partir do estupro da artista por seu mentor Antonio Massi, aos 18 anos de idade, ainda mais quando se sabe que Artemisia se usou  como modelo para essa representação.

Por Elisa Marina