Criador e criatura se encontram no palco do Cineteatro Wilma Bentivegna/ Fto: Elisa Marina |
De repente o tempo parou em 1967, não porque estivéssemos sob o efeito de algum fenômeno apocalíptico, - muito embora possa ser que estávamos –, é que as horas alertavam que não haveria mais tempo para ouvirmos tantas outras histórias da carreira do ator Renato Borghi, ele, narrador de si, ali no palco do Cineteatro Wilma Bentivegna, o que acabou por marcar, assim, às 21 horas, o encerramento da 11ª Mostra de Referências Teatrais de Suzano, evento considerado por ele como importantíssimo, principalmente diante do atual cenário de destruição total da cultura, da ciência; enfim, do país. É a fase da supervalorização da ignorância.
São 85 anos de idade, 65 anos de palco e uma memória que causou espanto aos que o assistiram. Renato Borghi estreou como ator em 1958 no
Teatro Copacabana com a peça Chá &
Simpatia, sob a direção de Sérgio Cardoso, que à época não poupou críticas
ao inexperiente jovem de 21 anos de idade que se arriscou participar do teste
de elenco com outros cinquenta candidatos. Você
é um ator, mas você tem tudo contra você. Você é baixinho e franzino. Uma
verdadeira tijolada na cabeça, nas palavras de Borghi. E quando agora
questionado por este blog o que este
octogenário ator de 2022 diria da sua longeva carreira artística àquele Sérgio
Cardoso de 1958, Borghi foi direto em sua resposta: Não foi mole.
De Chá & Simpatia
até a vinda a São Paulo, em decorrência da mudança de emprego do pai, foi um
longo percurso. Por aqui, o carioca Renato Borghi passou pelo Teatro Brasileiro
de Comédia, o TBC, o Teatro de Arena, o Teatro Oficina, que ajudou a fundar com
o ator e diretor paulista Zé Celso Martinez Corrêa, e que viria a descobrir que a coincidência entre os dois ia muito além da paixão pelo teatro, é que ambos nasceram no mesmo 30 de março de 1937.
Entre tantas histórias com o teatro e pelo teatro, Renato Borghi, trouxe um momento de afeto em família quando
na companhia da avó assistira a uma atuação de ninguém mais ninguém menos que Procópio
Ferreira, de quem até hoje relembra em detalhes da aparência nada bela do ator. Vovó, ele é muito feio. Só que ao vê-lo em
cena, Renato disse que se sentia transportado para outro mundo, tamanha era a entrega de
Procópio a seus personagens.
Não faltaram referências às atrizes Bibi Ferreira, Cacilda
Becker, Maria Della Costa, esta com um jeito peculiar de falar, com poucas
pausas, e aos atores Paulo Altran, Milton Gonçalves, e ao diretor polaco Ziembinski,
quem trouxe para aos palcos brasileiros novas propostas de iluminação e cenografia.
E, claro, Raul Cortez, com quem Renato contracenou
na peça de Máximo Gorki, Pequenos
Burgueses, reproduzindo com exatidão um trecho da peça encenada no Oficina
de 1963. Renato falou também da sua Julieta, a atriz Miriam Mehler, em que ambos na casa
dos 80 anos de idade agora estão juntos numa adaptação inusitada do clássico
shakespeariano. Romeu e Julieta 80 tem
proporcionado aos dois reviverem novamente um par romântico, como ocorreu no
ano de 1964, em Andorra, uma montagem
do Teatro Oficina.
No telão, a atriz Cacilda Becker, dentre os rostos lembrados por Renato Borghi |
Contando com a projeção de imagens num telão no palco do
Wilma Bentivegna, Renato Borghi não deixou de mencionar um só nome dos atores e
atrizes com quem contracenou ao longo da carreira, preparando o público
presente para o momento épico que viria a seguir, quando criador e criatura
ocuparam o mesmo palco do Wilma Bentivegna. No telão eram projetadas
cenas da histórica O Rei da Vela,
primeira montagem da peça de Oswald de Andrade realizada pelo Teatro Oficina, e
que lhe rendeu os Prêmios Moliére e APCT de melhor ator. E assim que as imagens e a voz
de seu Abelardo eram reproduzidas no telão, Renato Borghi repetia em sincronismo as falas do personagem ali mesmo no palco como se estivesse dublando a si próprio. De certa
maneira estava. Era, por assim dizer, uma volta triunfal no tempo, e que naquele instante parava, interrompido
pelo ator e diretor Élcio Nogueira Seixas, a quem coube o papel de fio condutor
da palestra, prometendo, de imediato, ao secretário de Cultura de Suzano, o vice-prefeito
Walmir Pinto, retornar com Renato Borghi tão logo um novo convite seja feito, o
que certamente Walmir não se recusará a fazer, para então mais uma vez abrir as
portas do Cineteatro Wilma Bentivegna para esse ator do Teatro Promíscuo, que
em nada tem a ver com uma promiscuidade no sentido stricto do termo, e a causar
arrepios aos conservadores. Renato Borghi defende o teatro que trabalha com todos,
numa interação entre os envolvidos. Além do que, se tem algo que nos fica
claro é que preocupação com a opinião
alheia é algo que passa bem distante da mente de um ator que nasceu do teatro libertário, e que nem o fator tempo parece
incomodá-lo tanto assim, afinal Renato Borghi não parou em
1967, e o seu contemporâneo Romeu, aos 80 anos de idade, é a prova disso.
Por: Elisa Marina