domingo, 10 de julho de 2022

Renato Borghi encerra a 11ª Mostra de Referências Teatrais de Suzano, com a promessa de retornar em breve, afinal há mais histórias a serem contadas

 

Criador e criatura se encontram no
palco do Cineteatro Wilma 
Bentivegna/ Fto: Elisa Marina

De repente o tempo parou em 1967, não porque estivéssemos sob o efeito de algum fenômeno apocalíptico, - muito embora possa ser que estávamos  –, é que as horas alertavam que não haveria mais tempo para ouvirmos tantas outras histórias da carreira do ator Renato Borghi, ele, narrador de si, ali no palco do Cineteatro Wilma Bentivegna, o que acabou por marcar, assim, às 21 horas, o encerramento da 11ª Mostra de Referências Teatrais de Suzano, evento considerado por ele como importantíssimo, principalmente diante do atual cenário de destruição total da cultura, da ciência; enfim, do país. É a fase da supervalorização da ignorância.

São 85 anos de idade, 65 anos de palco e uma memória que causou espanto aos que o assistiram. Renato Borghi estreou como ator em 1958 no Teatro Copacabana com a peça Chá & Simpatia, sob a direção de Sérgio Cardoso, que à época não poupou críticas ao inexperiente jovem de 21 anos de idade que se arriscou participar do teste de elenco com outros cinquenta candidatos. Você é um ator, mas você tem tudo contra você. Você é baixinho e franzino. Uma verdadeira tijolada na cabeça, nas palavras de Borghi. E quando agora questionado por este blog o que este octogenário ator de 2022 diria da sua longeva carreira artística àquele Sérgio Cardoso de 1958, Borghi foi direto em sua resposta: Não foi mole.

De Chá & Simpatia até a vinda a São Paulo, em decorrência da mudança de emprego do pai, foi um longo percurso. Por aqui, o carioca Renato Borghi passou pelo Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, o Teatro de Arena, o Teatro Oficina, que ajudou a fundar com o ator e diretor paulista Zé Celso Martinez Corrêa, e que viria a descobrir que a coincidência entre os dois ia muito além da paixão pelo teatro, é que ambos nasceram no mesmo 30 de março de 1937.

Entre tantas histórias com o teatro e pelo teatro, Renato Borghi, trouxe um momento de afeto em família quando na companhia da avó assistira a uma atuação de ninguém mais ninguém menos que Procópio Ferreira, de quem até hoje relembra em detalhes da aparência nada bela do ator. Vovó, ele é muito feio. Só que ao vê-lo em cena, Renato disse que se sentia transportado para outro mundo, tamanha era a entrega de Procópio a seus personagens.

Não faltaram referências às atrizes Bibi Ferreira, Cacilda Becker, Maria Della Costa, esta com um jeito peculiar de falar, com poucas pausas, e aos atores Paulo Altran, Milton Gonçalves, e ao diretor polaco Ziembinski, quem trouxe para aos palcos brasileiros novas propostas de iluminação e cenografia.  E, claro, Raul Cortez, com quem Renato contracenou na peça de Máximo Gorki, Pequenos Burgueses, reproduzindo com exatidão um trecho da peça encenada no Oficina de 1963. Renato falou também da sua Julieta, a atriz Miriam Mehler, em que ambos na casa dos 80 anos de idade agora estão juntos numa adaptação inusitada do clássico shakespeariano. Romeu e Julieta 80 tem proporcionado aos dois reviverem novamente um par romântico, como ocorreu no ano de 1964, em Andorra, uma montagem do Teatro Oficina. 

No telão, a atriz Cacilda Becker,
dentre os rostos lembrados por
Renato Borghi
Renato Borghi comentou com exclusividade para o Labareda Carmim sobre o trabalho de Wolney de Assis, ator com quem trabalhou em Tio Vania e Pequenos Burgueses. Wolney e Berta Zemel, sua companheira de vida e palco, foram os homenageados da Mostra. Wolney era um ator muito dedicado, muito consciente de seu trabalho. E tinha uma característica muito interessante. Quando a casa [referência ao teatro] estava lotada, ele ficava completamente excitado, parecia estar numa empolgação orgástica.

Contando com a projeção de imagens num telão no palco do Wilma Bentivegna, Renato Borghi não deixou de mencionar um só nome dos atores e atrizes com quem contracenou ao longo da carreira, preparando o público presente para o momento épico que viria a seguir, quando criador e criatura ocuparam o mesmo palco do Wilma Bentivegna. No telão eram projetadas cenas da histórica O Rei da Vela, primeira montagem da peça de Oswald de Andrade realizada pelo Teatro Oficina, e que lhe rendeu os Prêmios Moliére e APCT de melhor ator. E assim que as imagens e a voz de seu Abelardo eram reproduzidas no telão, Renato Borghi repetia em sincronismo as falas do personagem ali mesmo no palco como se estivesse dublando a si próprio. De certa maneira estava. Era, por assim dizer, uma volta triunfal no tempo, e que naquele instante parava, interrompido pelo ator e diretor Élcio Nogueira Seixas, a quem coube o papel de fio condutor da palestra, prometendo, de imediato, ao secretário de Cultura de Suzano, o vice-prefeito Walmir Pinto, retornar com Renato Borghi tão logo um novo convite seja feito, o que certamente Walmir não se recusará a fazer, para então mais uma vez abrir as portas do Cineteatro Wilma Bentivegna para esse ator do Teatro Promíscuo, que em nada tem a ver com uma promiscuidade no sentido stricto do termo, e a causar arrepios aos conservadores. Renato Borghi defende o teatro que trabalha com todos, numa interação entre os envolvidos. Além do que, se tem algo que nos fica claro é que preocupação com a opinião alheia é algo que passa bem distante da mente de um ator que nasceu do teatro libertário, e que nem o fator tempo parece incomodá-lo tanto assim, afinal Renato Borghi não parou em 1967, e o seu contemporâneo Romeu, aos 80 anos de idade, é a prova disso.

Por: Elisa Marina